--Nao me mates! Pega em mim e leva-me á borda do mar, e segue pelo caminho que se te deparar.
A rapariga foi, e assim que deitou a sardinhinha ao mar, formou-se logo uma estrada muito larga; ella seguiu por esse caminho a dentro e foi dar a um grande palacio, onde estavam muitas mezas póstas. Ella correu todas as salas, viu muitas joias, muitas riquezas, mas o mar tinha-se tornado a fechar, e já não pôde tornar para traz. Deixou-se ficar ali, e dormiu em uma cama muito rica e muito fôfa que achou. Para se entreter despia-se e vestia-se com vestidos riquíssimos que lá se guardavam.
Todos os dias lhe apparecia um homem em figura de preto, que lhe perguntava se ella estava contente.
--Eu contente? o que me faz pena é lembrar-me que minha mãe e minhas irmãs estão trabalhando todo o dia para poderem comer qualquer cousa, e eu aqui.
--Pois bem, disse-lhe o preto, leva o dinheiro que dizeres, vae vêr tua mãe e tuas irmãs, mas não te demores lá mais do que tres dias.
E tornou-se a abrir a estrada no mar. A rapariga chegou a casa, contou tudo, a mãe ficou muito contente com o dinheiro, e as irmãs fizeram-lhe mil perguntas do que havia no palacio, e se não tinha medo de ficar de noite sosinha? Ella disse que tinha o somno muito pesado. As irmãs disseram:
--É porque te botam coisa no vinho, que te faz dormir; finge que bebes, mas deita o vinho fóra, para sentires o que se passa de noite no palacio.
Acabado os tres dias ella voltou pela estrada aberta no mar, entrou no palacio; comeu, ceiou e fingiu que bebia. Quando se deitou já não teve o somno tão pesado, e sentiu que alguem se deitava ao pé d'ella. Ficou bastante assustada, e deixou-se ficar muito quieta; quando estava tudo muito socegado, acendeu uma vella para ver o que era. Era um principe muito formoso; inclinou-se para vel-o melhor, e caiu-lhe um pingo de cera no rosto. Elle então acordou:
--Ah cruel; que só faltavam oito dias para quebrar o meu encantamento. Agora para me poder desencantar é preciso que tu soffras grandes trabalhos por mim, sem nunca te queixares. Toma lá esta carapinha; quando te vires em alguma afflicção de que te não poderes livrar, diz:
--Valha-me aqui quem me deu esta carapinha.
E n'este instante desappareceu o principe e o palacio, e a rapariga achou-se sósinha no meio de um descampado. ia passando um rancho de pretas, que lhe disseram muitas chufas, e lhe arrepellaram os cabellos. A rapariga soffreu tudo sem dizer nada. Passou um jornaleiro e ella propoz-lhe trocar os seus vestidos cravejados de brilhantes pelas roupas do pobre homem, e assim já com outro traje foi-se offerecer para hortelão da casa do rei. A rainha começou a gostar do hortelão, porque tinha uma cara bonita, mas como elle não lhe correspondia foi fazer queixa ao rei, que era preciso mandal-o mater porque tinha commettido um atrevimento muito feio. O rei mandou metter a tormentos o hortelão para confessar o que fizera, mas elle soffreu tudo negando sempre. A rainha teimava que queria que se enforcasse; ia elle já para a forca, e lembrou-se de dizer:
--Valha-me aqui quem me deu esta carapinha.
A execução interrompeu-se ao grande barulho de uma carruagem que trazia um alto figurão, que deu ordem para parar tudo. Levou o hortelão comsigo para o paço e disse ao rei que era impossivel ter elle commettido o atrevimento de que a rainha o acusava, senão que mandasse as camareiras examinar. Assim aconteceu e a rainha é que foi deitada a uma fogueira. O encantamento quebrou-se pela constancia com que a rapariga tinha soffrido todos os tratos e o principe casou com ella por agradecido.
(Algarve.)
Algumas semelhanças ao Velho Querecas.
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