domingo, 30 de janeiro de 2011

A Cartinteirasinha

Tres irmãs viviam do seu trabalho. Estando ellas um dia questionando qual era a mais habilidosa, diz a mais velha:

--Eu tenho habilidade de fazer uma camisa da pelle de casca de ovo para o rei.

--E eu atrevia-me a fazer-lhe umas calças de uma casca de amendoa verde.

Disse a terceira:

--E eu atrevia-me a ter trez filhos do rei sem elle o saber.

Deu-se o caso do rei ter passado por ali na occasião d'esta conversa, e logo pediu licença para entrar. Disse que tinha ouvido isto assim e assim, e que ordenava que ellas lhe mostrassem as suas habilidades.

A mais nova respondeu-lhe que isso dependia de tempo emquanto á sua parte, e o rei partiu dizendo-lhe que não deixasse perder a occasião. As duas irmãs ficaram penalisadas com a aposta da mais nova, mas trataram de desempenhar-se da sua promessa. Soube a mais nova que o rei sahia da côrte e ia estar um anno em Bule; pediu então dinheiro emprestado ás irmãs, comprou rico vestidos, e apresentou-se em Bule sem que o rei a conhecesse. Ao fim de nove mezes teve ella um menino. Ao fim de um anno o rei disse que ia até Toledo, e que quando voltasse casaria com ella, e deu-lhe muitas joias e dinheiro á despedida. Foi o rei para Toledo e quando lá chegou, já lá estava a rapariga com outros trajos, com outra physionomia, e o rei tornou-se a apaixonar por ella, dizendo que ella era superior a tudo quanto tinha visto. Ao fim de nove mezes teve outra criança. Acabado o anno, foi o rei para Sevilha, e lá lhe tornou a apparecer a rapariga tão bem arranjada que lhe pareceu a melhor mulher que havia n'aquella terra. Teve então um terceiro menino. Não quiz o rei ao voltar para a côrte passar por Bule, nem por Toledo, porque promettêra casamento ás outras duas; quando entrou na côrte já lá estava a Carpinteirasinha e as irmãs, pasmadas com as riquezas que trazia. Ella fartou-se de esperar a visita do rei, que não se fiava na aposta; passado tempo o rei estava para casar com uma princeza, e no dia da boda a Carpinteirasinha mandou á côrte os seus trez filhos vestidinhos com todas as joias que o rei lhe tinha dado. Disse-lhes que beijassem a mão do rei e ficassem calados, e só quando o rei lhes perguntasse o que queriam dissessem:
Bale, Tolêdo, Sevilha, andae:
Vimos vêr o casamento d'el-rei meu pae.
Assim fizeram os meninos; o rei comprehendeu logo tudo, lembrou-se da aposta e mandou vir a Carpinteirasinha, com quem casou da melhor vontade.

(Algarve.)

Bem, a verdade é que o estupor do rei não conseguia ver um rabo de saias!

sábado, 29 de janeiro de 2011

Cabellos de Ouro

Um homem e a sua mulher tinham dois filhos, mas não tinham que lhes dar a comer; uma noite estando já deitados ouviu o pequeno estarem dizendo:

--É necessario matar um d'estes filhos, porque não podemos com tanta familia.

O pequeno acordou a irmãsinha, contou-lhe tudo e botaram a fugir de casa. Foram andando noite e dia, e já muito longe o rapazinho cansado deitou-se no chão e adormeceu com a cabeça no regaço da irmã. Passaram por ali trez fadas, e vendo a criança, deram-lhe trez dons:
Que fosse a cara mais linda do mundo;

Que quando se penteasse deitasse ouro dos cabellos;

Que tivesse as mais raras prendas de mãos.
Assim que o pequeno acordou, pozeram-se outra vez a caminho, e foram dar a casa de uma velha muito feia, que os recolheu. Passaram-se annos, e um dia que o rapaz quiz dinheiro, a irmã penteou-se, e elle levou o ouro para vender na cidade. O ourives que lh'o comprou ficou desconfiado, perguntou ao rapaz como é que arranjava aquelle ouro, mas não quiz acreditar tudo quanto elle disse. Foi dar parte ao rei, que o mandou prender até vir a irmã á côrte para se apurar a verdade.

A velha, que tinha ficado com a menina dos cabellos de ouro, resolveu matal-a á fome; já estava havia dois dias sem comer, e quando lhe pediu alguma coisinha a velha disse-lhe que só se ella lhe deixasse tirar um olho. Ella deixou para não morrer. Depois de outros dois dias, estava já a menina a cahir com sêde, e pediu á velha uma pinga d'agua, e ella disse--que só se lhe deixasse tirar o outro olho. Até que ficou ceguinha. Foi então que veiu ordem do rei para que a levassem á côrte; a velha pensou que era melhor deitar a menina ao mar, e levar uma filha que tinha em logar d'ella. O rapaz que estava preso n'uma torre que tinha uma fresta para o mar, viu andarem boiando na agua umas roupinhas, que a maré trouxe para terra; botou-lhe uns lençoes torcidos para que ella subisse.

A velha tinha chegado á côrte com a filha, e se ella não botasse ouro dos cabellos, o rapaz iria a matar. Quando a menina soube isto disse ao irmão--que lhe arranjasse do carcereiro um papel fino para fazer flôres. O carcereiro trouxe o papel, e a menina assim mesmo cega fez um ramo muito lindo cheio de perolas e ouro que lhe cahiam dos cabellos. O irmão pediu ao carcereiro para lhe mandar vender aquelle ramo, não por dinheiro, mas sim por um par de olhos. Apregoou-se o ramo, todos o queriam, mas ninguem se atrevia a dar os olhos da cara por elle; só a velha quando ouviu o pregão é que o comprou pelos olhos da menina, que tinha guardado. O carcereiro trouxe o par de olhos, e a menina tornou a pôl-os outra vez na cara.

Veiu o dia em que a velha teve de apresentar a filha diante do rei, mas não deitava ouro dos cabellos. O rapaz ia já a morrer, quando mandou pedir ao rei que se lhe déssem um fato de mulheriria buscar sua irmã, que a velha tinha querido matar. Deram-lhe o fato, e trouxe então da torre a menina, que se penteou diante do rei, e todos ficaram pasmados d'aquelle dom e da sua grande formosura. A menina contou tudo ao rei, que lhe perguntou o que queria que se fizesse da velha.

--Quero que da pelle se faça um tambor, e dos ossos uma cadeirinha para eu me assentar.

(Algarve.)

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

O Ovo e o Brilhante

Havia uma mulher, que tinha uma filha e uma enteada; estavam sósinhas em casa, uma sempre na cosinha, muito maltratada, e a outra sempre pêrra e soberba de janella. Passou uma velhinha, e pediu se lhe davam alguma cousa. Disse a soberba:

--Vá-se embora, tia, que não ha pão cosido.

A outra disse:

--Não tenho que lhe dar; só se fôr este ovo fresco que pôz agora a gallinha.

E deu o ovo á velhinha. A velhinha quebrou-o, e dentro do ovo estava uma grande pedra preciosa, que era um brilhante; pegou n'elle e deu-o á menina.

--Trazei sempre essa pedra ao pescoço, que emquanto andares com ella haveisde ter todas as felicidades.

A pequena pôz a pedra ao pescoço. A irmã, com inveja, foi tambem buscar um ovo, e deu-o á velhinha. Ela disse que o partisse pela sua mão; assim fez, e rebentou o ovo chôco, que tresandava de mau cheiro e a cobriu de porcaria pela cara e pelas mãos. A velhinha foi-se embora. Aconteceu passar por ali o rei, e viu aquella menina com a pedra ao pescoço, e achou-a tão linda, e ficou logo tão apaixonado, que a mandou buscar e casou com ella. Ficou rainha; e como era boa, a madrasta e a irmã pediram-lhe para que as deixassem viver no palacio; deixou. Um dia o rei foi para uma guerra, onde tinha de se demorar; a rainha ficou no palacio. Ora a madrasta, que já sabia do poder da pedra preciosa, andava mais a filha á mira de vêr se lh'a furtavam; até que um dia que ella estava no banho, e que a irmã lhe tinha ido botar o lençol, furtou-lhe a pedra sem ella dar tino. Immediatamente ficou muito afflicta, e a irmã mais a madrasta fugiram para irem ter com o rei, que estava na campanha, porque tinha a certeza que ella a tomaria por mulher. Pelo caminho pozeram-se a descançar e adormeceram. Passou uma aguia e viu luzir a pedra, e de repente desceu e arrancou-a, e enguliu-a. Quando as mulheres continuaram o seu caminho, chagaram á barraca do rei, sem terem ainda dado pela falta da pedra. Pediram licença para entrar, dizendo que era a mulher do rei que vinha visital-o, porque tinha muitas saudades. O rei conheceu quem eram, e mandou-lhes dar muita pancada e pôl-as fóra; foi então que a rapariga deu pela falta da pedra, e botou a fugir, e a mão atraz d'ella.

Quando o rei chegou ao seu reino, veiu a rainha ao seu encontro; mas como não tinha a pedra o rei não a conheceu, e disse:--É uma tola como as outras. E escorraçaram-na. Ella tornou para o palacio, e lá só a acceitaram para ajudar na cosinha. De uma vez estava-se a arranjar um grande jantar para o casamento do rei, e ella ao amanhar uma aguia, achou-lhe no papo uma grande pedra preciosa. Guardou-a, e pediu ao dono para ir servir á meza. Assim foi; pôz a pedra ao pescoço, e assim que entrou nasala, o rei conheceu-a e lembrou-se d'ella, e perguntou-lhe como é que aquillo tinha sido. Ella contou-lhe tudo, e o rei sentou-a logo á sua direita, e a outra princeza foi-se embora.

(Porto.)

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

A Madrasta

Uma mulher tinha uma filha muito feia e uma enteada bonita como o sol; com inveja tratava-a muito mal, e quando as duas pequenas iam com uma vaquinha para o monte, á filha dava-lhe um cestinho com ovos cosidos, biscoutos e figos, e á enteada dava-lhe côdeas de brôa bolorentas, e não passava dia algum sem lhe dar muita pancada. Estavam uma vez no monte e passou uma velha que era fada, e chegou-se a ellas e disse:

--Se as meninas me dessem um bocadinho da sua merenda? estou a cair com fome.

A pequena que era bonita e enteada da mulher ruim deu-lhe logo da sua coinha de brôa; a pequena feia, que tinha o cestinho cheio de cousas boas, começou a comer e não lhe quiz dar nada. A fada quiz-lhe dar um castigo, e fez com que ella feia ficasse com a formosura da bonita; e que a bonita ficasse em seu logar, com a cara feia. Mas as duas pequenas não o souberam; feiu a noite e foram para casa. A mulher ruim, que tratava muito mal a enteada que era bonita, veiu-lhes sair ao caminho, porque já era muito tarde, e começou ás pancadas com uma vergasta na propria filha, que estava agora com a cara da bonita cuidando que estava a bater na enteada. Foram para casa, e deu de comer sopinhas de leite e cousas boas á que era feia, pensando que era a sua filha, e a outra mandou-a feitar para a palha de uma loja cheia de têas de aranha, e sem ceia. Duraram as cousas assim muito tempo, até que um dia passou um principe e viu a menina da cara bonita á janella, muito triste e ficou logo a gostar muito d'ella, e disse-lhe que queria vir fallar com ella de noite ao quintal. A mulher ruim ouviu tudo, e disse á que estava agora feia e que vuidava que era a sua filha, que se preparasse e que fosse fallar á noite com o principe, mas que não descobrisse a cara. Ella foi, e a primeira cousa que disse ao principe foi--que estava enganado, que ella era muito feia. O principe dizia-lhe que não, e a pequena descobriu então a cara, mas a fada deu-lhe n'aquelle mesmo instante a sua formosura. O principe ficou mais apaixonado e disse que queria casar com ella; a pequena foi-o dizer á ue pensava que ella era sua filha. Fez-se o arranjo da boda, e chegou o dia em que vieram buscal-a para se ir casar; ella foi com a cara coberta com um véo, e a irmã, que estava agora bonita, ficou fechada na loja ás escuras. Assim que a menina deu a mão ao principe e ficaram casados, a fada deu-lhe a sua formosura, e foi então que a madrasta conheceu que aquella era a sua enteada e não a sua filha. Corre á pressa a casa, vae á loja de palha vêr a pequena que lá fechára, e dá com a sua propria filha, que desde a hora do casamento da irmã tornára a ficar com a cara feia. Ficaram ambas desesperadas e não sei como não arrebentaram de inveja. É bem certo o ditado: «Madrasta nem de pasta.»

(Porto.)

domingo, 23 de janeiro de 2011

O Sapatinho de Setim

Era uma vez um homem viuvo e tinha uma filha; mandava-a á escola de uma mestra que a tratava muito bem e lhe dava sopinhas de mel. Quando a pequenita vinha para casa, pedia ao pae que casasse com a mestra, porque ella era muito sua amiga. O pae respondia:

--Pois queres que case com a tua mestra? mas olha que ella hoje te dá sopinhas de mel, e algum dia t'as dará de fel.

Tanto teimou, que o pae casou com a mestra; ao fim de um anno teve ella uma menina, e tomou desde então grande birra contra a enteada, porque era mais bonita do que a filha. Quando o pae morreu é que os tormentos da madrasta passaram as marcas. A pobre da criança tinha uma vaquinha que era toda a sua estimação; quando ia para o monte, a madrasta dava-lhe uma bilha de agua e um pão, ameaçando-a com pancadas se ella não trouxesse outra vez tudo como tinha levado. A vaquinha com os pausinhos tirava o miolo do pão para a menina comer, e quando bebia agua tornava a encher-lhe a bilha com a sua baba. D'este feitio enganavam a ruindade da madrasta.

Vae um dia adoeceu a ruim mulher, e quiz que se matasse a vaquinha para lhe fazer caldos. A menina chorou, chorou antes de matar a sua querida vaquinha, e depois foi lavar as tripas ao ribeiro; vae senão quando, escapou-lhe uma tripinha da mão, e correu atraz d'ella para a apanhar. Tanto andou que foi dar a uma casa de fadas, que estavam em grande desarranjo, e tinha lá uma cadellinha a ladrar, a ladrar.

A menina arranjou a casa muito bem, pôz a panella ao lume, e deu um pedaço de pão á cadellinha. Quando as fadas vieram, ella escondeu-se de traz da porta, e a cadellinha pôz-se a gritar:
Ão, ão, ão,
Por detraz da porta
Está quem me deu pão.
As fadas deram com a menina, e fadaram-na para que fosse a cara mais linda do mundo, e que quando fallasse deitasse pérolas pela bocca, e tambem lhe deram uma varinha de condão.

A madrasta assim que viu a menina com tantas prendas, perguntou-lhe a causa d'aquillo tudo, para vêr se tambem as arranjava para a filha. A menina contou o succedido, mas trocando tudo, que tinha desarrumado a casa, quebrado a louça, e espancado a cadellinha. A madrasta mandou logo a filha, que fez tudo á risca como a mãe lhe dissera timtim por timtim. Quando as fadas voltaram, perguntaram á cadellinha o que tinha succedido; ella respondeu:
Ão, ão, ão,
Por detraz da porta está
Quem me deu com um bordão.
As fadas deram com a rapariga, e logo a fadaram que fosse a cara mais feia que houvesse no mundo; que quando fallasse gaguejasse muito, e que fosse corcovada. A mão ficou desesperada quando isto viu, e d'ali em diante tratou ainda mais mal a enteada.

Houve por aquelle tempo uma grande festa dos annos do principe; no primeiro dia foi a madrasta ao arraial com a filha, e não quiz levar comsigo a enteada que ficou a fazer o jantar. A menina pediu á varinha de condão que lhe desse um vestido da côr do céo e todo recamado com estrellas de ouro, e foi para a festa; todos estavam pasmados e o principe não tirava os olhos d'ella. Quando acabou a festa, a madrasta veiu já achal-a em casa a fazer o jantar, e não se cançava de gabar o vestido que vira. No segundo dia, foi a menina á festa, com o poder da varinha de condão, e com um vestido de campo vêrde semeado de flôres. No terceiro dia, quando a menina viu que a madrasta já tinha ido para casa, pariu a toda a pressa, e caiu-lhe do pé um sapatinho de setim. O principe assim que viu aqueilo correu a apanhar o sapatinho, e ficou pasmado com a sua pequenez. Mandou deitar um pregão, que a mulher a quem pertencesse o sapatinho de setim seria sua desposada. Correram todas as casa e a ninguem servia o sapatinho. Foi por fim á casa da mulher ruim, que apresentou a filha ao principe, mas o pé era uma patola e não cabia no sapatinho de setim; perguntou-lhe se não tinha mais alguem em casa. Quando a madrasta ia responder que não, abriu-se a porta da cosinha, e appareceu a enteada com o vestido do primeiro dia das festas e com um pésinho descalço, que serviu no sapatinho de setim. O principe levou-a logo comsigo, e á madrasta deu-lhe tal raiva, que se botou da janella abaixo e morreu arrebentada.

(Algarve.)

Esta história parece a cinderela típica tuga. Aqui, o que a torna mais interessante do que a história da Disney, é a madrasta arrebentar-se da janela abaixo :-)

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

A Muda Mudella

Era uma vez um homem que tinha duas filhas; a mais nova era muito linda e a mais velha muito feia, e por isso embirrava com a irmã, que a não podia vêr. A feia intrigava-a com o pae, que se fiava em quanto lhe dizia; um dia armou uma traição á irmã para a perder. Morava por ali um rapaz muito valdevinos, que tentava todas as raparigas, e a irmã feia disse á mais nova que fosse áquella casa, porque ali existia uma familia envergonhada e em grande miseria, a quem ella podia soccorrer, porque tinha bom coração. Assim que a irmã saiu a soccorrer a tal familia, a irmã mais velha avisou o pae, que lhe foi sahir ao encontro, e ficou suspeitando o que não era. Desesperado com a sua affronta, o pae resolveu mandar matal-a, e deu ordem a um creado que a levasse para a floresta, para acabar com a pobre menina. Mas o creado teve dó d'ella e deixou-a perdida no meio da floresta só com a companhia de uma cadellinha, que ella estimava muito e que nunca a deixava. A menina viveu por algum tempo dentro de uma furna, comendo ervas. Andando um dia o rei á caça viu uma cadellinha, e mandou dar-lhe pão; a cadellinha pegou no pão e fugiu para o ir levar á sua dona. Passado tempo a cadellinha foi apparecer ao rei em outro sitio, tornaram a dar-lhe pão, e fugiu outra vez; o rei mandou acompanhar a cadellinha para vêr onde ella ia, e qual não foi o espanto ao irem encontrar uma donzella tão formosa e que parecia tão desgraçada. Ora esquecia dizer que a menina tinha promettido que se escapasse da morte e fosse salva d'aquelles trabalhos, estaria sete annos sem fallar. Quando o rei a encontrou e lhe fez perguntas, ella lembrou-se da sua promessa, e não disse uma palavra. O rei levou-a para o palacio, porque gostava muito d'ella, e tanto se apaixonou que queria, désse por onde désse, casar com a menina. A mãe do rei aconselhava-o a que não casasse senão quando ella tornasse a achar a falla.

Ao fim de muito tempo, pouco antes dos sete annos, o rei já sem esperança pediu uma princeza para casamento, e foi com toda a sua côrte buscal-a. A menina mandou então fazer um vestido com uma das mangas muito larga, e no dia em que o rei voltou foi receber os noivos á escadaria. A princeza assim que a viu deu uma grande gargalhada, dizendo:
Olha a muda de mudella,
Que dentro da manga traz uma panella?
A menina respondeu logo:
Olha a princeza destemperada,
Que logo que entra mal falla,
E eu ha sete annos que aqui estou
É a primeira falla que dou.
O principe ficou pasmado com o que viu, desfez logo ali o casamento com a princeza, e casou com a menina, como tanto tinha desejado.

(Algarve-Portimão.)

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

O cavallinho das sete cores


Um conde tinha ficado captivo na guerra dos mouros. Levaram-no ao rei para que fizesse d'elle o que quizesse. Tinha o rei trez filhas, todas trez muito formosas, que pediram ao pae que o deixasse ficar prisioneiro no castello até que o viessem resgatar. A menina mais velha foi ter com o conde, e disse-lhe que casaria com elle, se lhe ensinasse qualquer cousa que ella não soubesse. O captivo disse:

--Pois ensino-te a minha religião, e vens comigo para o meu reino, e casaremos.

Ella não quiz. Deu-se o mesmo com a segunda.

Veiu por sua vez a menina mais moça; quiz aprender a religião, e combinaram fugir do castello, sem que o rei soubesse de nada. Disse entao ella:

--Vae á cavalhariça, e hasde lá encontrar um rico cavallinho de sete côres, que corre como o pensamento. Espera por mim no pateo, á noite, e partiremos ambos.

Assim fez. A princeza appareceu com os seus vestidos de moura, com muitas joias, e á primeira palavra que disse logo o cavallinho das sete côres se pôz nas visinhanças da cidade d'onde era natural o captivo conde.

Antes de chegar á cidade havia um grande areial; o conde apeiou-se, e disse á princeza moura que esperasse ali por elle, emquanto ia ao seu palacio buscar fatos proprios para apparecer na côrte, porque estava com roupas de captivo e ella de mourisca.

Assim que a princeza ouviu isto, rompeu em um grande chôro:

--Por tudo quanto ha não me deixes aqui, porque hasde-te esquecer de mim.

--Como é que isso póde ser?

--Porque assim que te separares de mim e alguem te abraçar logo me esqueces completamente.

O conde prometteu que se não deixaria abraçar por ninguem, e partiu; mas assim que chegou ao palacio a sua ama de leite conheceu-o, e com a alegria foi para elle e abraçou-o pelas costas. Não foi preciso mais; nunca mais elle se pôde lembrar da princeza. Ella tinha ficado no areial, e foi dar a uma cabana onde vivia uma pobre mulher, que a recolheu e tratou bem; ali foi ter a noticia que o conde estava para casa com uma formosa princeza, e na vespera do casamento a mourinha pediu ao filho da velha que levasse o cavallinho das sete côres a passeiar no adro da egreja em que se haviam de casar.

Assim foi; quando chegou o noite com o acompanhamento, ficou pasmado de vêr um tão bello cavallinho, e quiz miral-o de mais perto. O moço que o passeiava andava a dizer:
Anda, cavallinho, anda, Não esqueças o andar, Como o conde esqueceu A moura no areial.
O noivo lembrou-se logo da sorte que lhe tinha cahido, desfez o casamento com a princeza e foi buscar a mourinha com quem casou, e viveram muito felizes.

(Algarve-Lagoa.)

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

A rosa branca na bocca

Um homem muito abastado veiu a cahir em pobreza pelos seus desvarios; como tinha dado uma boa educação ao filho, este sabia tocar muitos instrumentos e para ganhar a sua vida foi por esse mundo além. Chegou a uma terra e parou diante de um palacio onde se estavam tocando peças de musica muito lindas. Deixou-se ali ficar sem comer nem beber. O dono do palacio vendo aquelle homem parado na rua, perguntou-lhe o que queria. Elle disse que tambem gostava muito de musica; o homem mandou-o entrar para vêr se elle tambem sabia tocar. Assim foi, tocou e desbancou todos os outros musicos. O homem admirado, despediu todos os musicos, e disse ao rapaz que ficasse com elle, para o ouvir tocar sempre. Os outros musicos desesperados só queriam apanhar o rapaz para o matarem; mas o velho assim que soube d'isto protegia o rapaz, acompanhava-o sempre, e queria deixar-lhe tudo como se fosse seu filho. Na côrte correu a fama do tocador, e o rei pediu ao fidalgo para lhe levar o rapaz e deixal-o no paço alguns dias. O rapaz espantou todos nas festas do palacio, porque tocava muito bem.

Uma noite que estava recolhido, sentiu entrarem-lhe na camara e metter-se na cama com elle uma dama; quiz saber quem era, accendeu uma luz, mas ella trazia uma mascara. Enquanto se demorou no paço, todas as noites ia a dama ter com elle.

O rapaz insistiu para que lhe dissesse quem era. Ella respondeu:

--Não te posso dizer quem sou! Ámanhã ao entrar para a missa, hasde-me vêr com uma rosa branca na bocca.

O rapaz foi dizer tudo ao fidalgo que já o tratava como filho; mas o fidalgo lembrando-se do odio dos musicos, quiz acompanhal-o, não fosse alguma traição. Pôz-se elle á porta da egreja, entraram todas as damas, e só quando veiu a rainha é que ao lado d'ella viu a condessa que a acompanhava, e que todos tinham na côrte por muito virtuosa, com a rosa branca na bocca.

Assim que viu o rapaz em companhia do fidalgo botou a rosa ao chão e amachucou-a com os pés. O rapaz chegou-se proximo da condessa para saber o motivo d'aquella zanga. Ella disse-lhe que a tinha atraiçoado, dizendo tudo ao fidalgo. Perguntou-lhe elle o que era preciso que fizesse para tornar a alcançar o seu amor. Disse a condessa que só matando o fidalgo que lhe serviria de pae. Elle na sua cegueira assim fez. O rei quando soube d'este crime, achou-o tão atroz que deu ordem logo para que o enforcassem. Então a condessa foi contar tudo ao rei, e confessou-se culpada, dizendo que o rapaz estava innocente, e que o que fizera era pela paixão do amor. Então o rei perdoôu-lhe:

--Já que a condessa fez a sua desgraça, case agora com elle para o fazer feliz.

(Algarve.)

domingo, 16 de janeiro de 2011

Maria da Silva

Era uma vez um rei, que andava á caça, e perdeu-se no monte, quando se fechou a noite. Foi com o seu pagem pedir agasalho a uma cabaninha de um carvoeiro que vivia na serra. O carvoeiro deu logo a sua cama ao rei, e a mulher, como estava doente, ficou deitada em uma enxerga no aido. De noite ouviu o rei um grande alarido, e chóros, e uma voz que dizia:
--Esta, que agora acaba de nascer
Ainda ha de ser tua mulher;
E por mais que a sorte lhe seja mesquinha
Sempre comtigo virá a ser rainha.
O rei ficou bastante atrapalhado, e tratou de saber que horas eram. Era meia noite em ponto. Ao outro dia quando fallou com o carvoeiro, perguntou-lhe que barulho tinha sido aquelle.

--Foi uma filhinha que me nasceu; havia de ser pela meia noite em ponto, senhor.

O rei disse que queria fazer a fortuna d'aquella criança, e que lhe daria muito dinheiro se a deixasse ir com elle. O carvoeiro deixou, e o rei partiu. Pelo caminho disse ao pagem que fosse matar aquella criança, porque era preciso fugir a um agouro com que ella tinha nascido. O pagem não teve alma para matar o innocente, e deixou a criança no fundo de um barroco, entre uns silvados, embrulhada no cinto vermelho que elle tirou de si. Tornou para onde estava o rei, e disse:

--Real senhor, não tive animo de matar a criança, mas deixei-a n'um sitio d'onde se não vê nem monte nem fonte, e lá morrerá com certeza.

Aconteceu que um rachador de lenha veiu trabalhar para aquelle sitio, ouviu chorar uma criança, desceu ao barroco e tirou-a condoido, e levou-a para casa. A mulher, que não tinha filhos, acolheu-a com satisfação e tratou-a como se fosse seu sangue, a chamavam-lhe Maria da Silva, em lembrança do acontecido.

Passados annos o pagem ia com o rei de jornada e viu uma rapariguinha de cinco annos vestida com uma capotilha vermelha, que elle conheceu ser feita do seu cinto. Foram ter com os camponezes, souberam a historia da rapariga, o rei deu-lhes muito dinheiro, para o deixarem leval-a para o palacio; assim que o rei partiu, mandou fazer um caixão onde metteu a Maria da Silva, e foi elle mesmo deital-a ao mar. Um navio encontrou no alto mar o caixão, quizeram vêr o que continha, e ficaram pasmados por acharem ainda viva uma criança muito linda. Foram contar tudo á terra a que chegaram, e o rei d'ali quiz vêr a rapariguinha, a rainha tomou-lhe amor, e quiz que ella se criasse no palacio, para servir de aia á princeza. Quando se fizeram as festas do casamento da princeza, já Maria da Silva era grande; vieram ás festas do casamento muitos reis e principes e veiu tambem aquelle que queria matar Maria da Silva.

O pagem que o acompanhava conheceu logo Maria da Silva, e disse-o ao rei seu amo. O rei, quando foi ao serão, quiz dansar com ella, que estava muito aceiada, e deu-lhe um annel dizendo:
Dansando t'o dou, dansando m'o hasde dar.
E se m'o não deres, a vida te hade custar.
E ella respondeu-lhe:
Dansando o recebi, dansando o heide dar:
Tambem heide ser rainha e no seu reino reinar.
Acabado o serão Maria da Silva foi para o seu quarto, e uma criada comprada pelo tal rei, roubou-lhe o annel, e deitou-o ao mar. Maria da Silva ficou muito triste, quando viu que tinha perdido o annel, e que não podia mais dar conta d'elle; estava á janella quando viu em um quintal uma criada a amanhar um peixe. Correu lá, e viu luzir no bucho do peixe o annel; tirou-o, voltou para o palacio. Á noite ao serão o rei tornou a sandar com ella e a repetir as mesmas palavras. Maria da Silva mostrou-lhe o annel e repetiu as palavras que dissera na vespera. Então o rei ficou muito admirado, e disse:

--Já que ninguem póde fugir á sua sorte e tens de ser minha mulher e rainha, já gosto de ti, e hoje mesmo se façam as bodas.

(Algarve.)

sábado, 15 de janeiro de 2011

A Sardinhinha

Uma mulher tinha trez filhas; foi com duas para o trabalho, e ficou em casa a mais nova para tratar da comida. Comprou dez reis de sardinhas, e foi assal-as na grêlha. Quando estavam nas brazas, saltou uma das sardinhas para o chão; a rapariga pegou n'ella e tornou a pol-a na grêlha. D'ahi a pouco tornou a dar um salto, e tambem um gemido. A rapariga meio assustada foi levantar a sardinha do chão, e ella disse-lhe:


--Nao me mates! Pega em mim e leva-me á borda do mar, e segue pelo caminho que se te deparar.

A rapariga foi, e assim que deitou a sardinhinha ao mar, formou-se logo uma estrada muito larga; ella seguiu por esse caminho a dentro e foi dar a um grande palacio, onde estavam muitas mezas póstas. Ella correu todas as salas, viu muitas joias, muitas riquezas, mas o mar tinha-se tornado a fechar, e já não pôde tornar para traz. Deixou-se ficar ali, e dormiu em uma cama muito rica e muito fôfa que achou. Para se entreter despia-se e vestia-se com vestidos riquíssimos que lá se guardavam.

Todos os dias lhe apparecia um homem em figura de preto, que lhe perguntava se ella estava contente.

--Eu contente? o que me faz pena é lembrar-me que minha mãe e minhas irmãs estão trabalhando todo o dia para poderem comer qualquer cousa, e eu aqui.

--Pois bem, disse-lhe o preto, leva o dinheiro que dizeres, vae vêr tua mãe e tuas irmãs, mas não te demores lá mais do que tres dias.

E tornou-se a abrir a estrada no mar. A rapariga chegou a casa, contou tudo, a mãe ficou muito contente com o dinheiro, e as irmãs fizeram-lhe mil perguntas do que havia no palacio, e se não tinha medo de ficar de noite sosinha? Ella disse que tinha o somno muito pesado. As irmãs disseram:

--É porque te botam coisa no vinho, que te faz dormir; finge que bebes, mas deita o vinho fóra, para sentires o que se passa de noite no palacio.

Acabado os tres dias ella voltou pela estrada aberta no mar, entrou no palacio; comeu, ceiou e fingiu que bebia. Quando se deitou já não teve o somno tão pesado, e sentiu que alguem se deitava ao pé d'ella. Ficou bastante assustada, e deixou-se ficar muito quieta; quando estava tudo muito socegado, acendeu uma vella para ver o que era. Era um principe muito formoso; inclinou-se para vel-o melhor, e caiu-lhe um pingo de cera no rosto. Elle então acordou:

--Ah cruel; que só faltavam oito dias para quebrar o meu encantamento. Agora para me poder desencantar é preciso que tu soffras grandes trabalhos por mim, sem nunca te queixares. Toma lá esta carapinha; quando te vires em alguma afflicção de que te não poderes livrar, diz:

--Valha-me aqui quem me deu esta carapinha.

E n'este instante desappareceu o principe e o palacio, e a rapariga achou-se sósinha no meio de um descampado. ia passando um rancho de pretas, que lhe disseram muitas chufas, e lhe arrepellaram os cabellos. A rapariga soffreu tudo sem dizer nada. Passou um jornaleiro e ella propoz-lhe trocar os seus vestidos cravejados de brilhantes pelas roupas do pobre homem, e assim já com outro traje foi-se offerecer para hortelão da casa do rei. A rainha começou a gostar do hortelão, porque tinha uma cara bonita, mas como elle não lhe correspondia foi fazer queixa ao rei, que era preciso mandal-o mater porque tinha commettido um atrevimento muito feio. O rei mandou metter a tormentos o hortelão para confessar o que fizera, mas elle soffreu tudo negando sempre. A rainha teimava que queria que se enforcasse; ia elle já para a forca, e lembrou-se de dizer:

--Valha-me aqui quem me deu esta carapinha.

A execução interrompeu-se ao grande barulho de uma carruagem que trazia um alto figurão, que deu ordem para parar tudo. Levou o hortelão comsigo para o paço e disse ao rei que era impossivel ter elle commettido o atrevimento de que a rainha o acusava, senão que mandasse as camareiras examinar. Assim aconteceu e a rainha é que foi deitada a uma fogueira. O encantamento quebrou-se pela constancia com que a rapariga tinha soffrido todos os tratos e o principe casou com ella por agradecido.

(Algarve.)

Algumas semelhanças ao Velho Querecas.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

O Conde Soldadinho


Junto do palacio do rei morava um pobre soldado; no dia e hora em que nasceu um filho ao rei, tambem a mulher do soldado teve um filho. Aconteceu serem muito amigos um do outro, e o rei como era justiceiro e de bom coração deixou que o soldado e a mulher viessem viver para o palacio, para as duas crianças brincarem juntas. Chamavam todos no palacio ao rapaz o Conde-Soldadinho; elle acompanhava o principe a todas as festas e caçadas.

Uma vez andava o principe á caça, e achou-se sedendo em sêde. O Conde-Soldadinho foi-lhe arranjar aua; d'ahi a pedaço veiu com um lindo jarro cheio de agua fresca.

--Quem é que te deu um jarro tão bonito?

--Foi n'uma pobre cabana; e que faria se o principe visse a mãosinha que m'o deu!

Foram ambos levar o jarro á cabana, e o principe ficou logo apaixonado por uma rapariga muito linda que ali morava. Tomou amores com ella, ia vel-a em segredo até que prometteu casamento para obter tudo o que queria. Temendo que o rei soubesse d'aquelles amores, nunca mais voltou á cabaninha, mas andava muito triste com saudades. A rapariga, que não sabia que o namorado era o principe, veiu á côrte deitar-se aos pés do rei para lhe valer:
Suppondo servo de Deus
Na terra fazeis de rei
E que sempre sem suspeita
Fazeis justiça direita;
Pois alto rei sabei
Que a mim um cavalleiro
Com um amor verdadeiro
Protestou ser meu marido,
E entrou no meu aposento
Conseguiu o seu intento;
E eu como humilde criada
Batida e infamada
N'este campo de mudança
Peço aos vossos pés vingança.
O rei disse:
Levantae-vos nobre dama, Cobrarás credito e fama, Que será bem castigado O que vos tem deshonrado.
E mandou chamar o principe, que estava passeando no jardim para vir á sua presença; o principe veiu suspirando:
A ella trago no pensamento Por ella estou n'um tormento.
O Conde-Soldadinho, que o acompanhava disse:--Pois por uma pobre pastora suspiraes!

--Calae-vos, meu amigo; que tambem eras soldado, e meu pae vos fez conde sem o teres mercido.

Quando chegou á presença do rei contou-lhe tudo, e o rei deu-lhe ordem para casar com a pastora.

(Algarve.)

A questão que se levanta: qual a razão de dar à história, como título, o nome de uma personagem secundária?

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

A bixa de sete cabeças


Era uma vez um filho de um rei que era muito amigo do filho de um sapateiro; brincavam sempre juntos, e o principe não tinha vergonha de acompanhar com o filho do sapateiro por toda a parte. O rei não estava contente com aquella confiança, e disse ao sapateiro para mandar o filho para muito longe, dando-lhe muito dinheiro. O rapaz foi-se embora, mas o principe assim que soube d'isto fugiu do palacio e foi por esse mundo além á procura do amigo. Encontrou-o passado algum tempo, abraçaram-se e foram ambos de jornada. Indo mais para diante, encontraram uma formosa menina amarrada a uma arvore. O principe assim que a viu ficou logo muito apaixonado, e perguntou-lhe quem é que a tinha deixado ali. Ella respondeu que não podia dizer nada, mas só pedia que a salvassem. O principe conheceu que ella era de sangue real, e pensou em casar com ella. Pôl-a na garupa do seu cavallo e foram caminhando todos trez. Pernoitaram n'aquella noite em um bosque onde estavam trez cruzes; o principe e a donzella adormeceram, mas o filho do sapateiro deixou-se ficar acordado para o que desse e viesse. Lá por essa noite adiante viu vir tres pombas e pousarem cada uma na sua cruz.

A primeira pomba disse:--O principe cuida que hade casar com a donzella, mas em ella passando ao pé d'um laranjal hade pedir uma laranja, e em a comendo hade arrebentar:
E quem isto ouvir e não se calar
Em pedra marmore hade-se tornar.
A segunda pomba disse:--Ainda não é só isso; ella hade passar por pé de uma fonte e hade querer beber agua, e logo que a beba hade arrebentar:
E quem isto ouvir e não se calar
Em pedra marmore hade-se tornar.
A terceira pomba disse:--Ainda não é só isso; se ella escapar de tudo, assim que chegar a casa, na noite de noivado hade vir uma bixa de sete cabeças que hade matal-a:
E quem isto ouvir e não se calar
Em pedra marmore hade-se tornar.
Ouviu o filho do sapateiro isto tudo, e quando amanheceu disse ao principe que era melhor voltarem para o reino, porque o rei devia de estar muito amargurado, e que lhe daria o perdão e licença para casar com a donzella, que era de sangue real. O principe deu pelo que disse o filho do sapateiro e metteram-se a caminho. Passaram por um laranjal, e aconteceu o que a pomba tinha dito; mas o filho do sapateiro disse que aquellas laranjas não se vendiam, e foram andando. Passaram por uma fonte, a menina quiz beber, como a outra pomba tinha dito, mas o filho do sapateiro disse que não havia com que tirar a agua. Até que chegaram ao palacio; o rei ficou muito alegre quando viu o filho, perdoou-lhe, e sabendo que o conselho do filho do sapateiro é que o fizera voltar para casa, deu-lhe licença para viver no palacio em companhia do seu amigo. O principe pediu licença ao pae para casar com a menina que tinha salvado, porque ella era de sangue real; o pae disse que só dava licença ao fim de seis mezes depois de a conhecer melhor e vêr as suas qualidades. O certo é que o principe casou com ella, e perguntou ao filho do sapateiro o que é que queria de dom no dia do casamento. Elle disse que só queria uma cousa, e era dormir na noite do noivado no mesmo quarto. Lá lhe custou isto, mas o principe sempre consentiu. O amigo deitou-se á porta do quarto, com uma espada escondida, e quando os noivos estavam dormindo sentiu entrar pelo quarto dentro uma grande bicha de sete cabeças. Como elle já esperava isto, descarregou um golpe certeiro e matou o monstro, mas sempre uma gota de sangue espirrou e foi bater na cara da princeza que estava adormecida. O filho do sapateiro tratou de limpar o sangue que estava pelo chão, e como visse a gota de sangue na cara da princeza foi-lh'o limpar com a ponta de uma toalha molhada. A princeza acordou com aquella friagem, e gritou sobresaltada para o marido:

--Vinga-me do teu melhor amigo, que me deu um beijo.

O principe levanta-se furioso para matar o amigo que elle julgava traidor; mas elle pede-lhe que demore o seu rigor, para contar a toda a côrte o caso acontecido. Ajuntou-se toda a gente do palacio; o rapaz começou a relatar tudo, e ia-se tornando pouco a pouco em pedra marmore. Ficaram todos com muita pena de ser tão mal paga aquella fidelidade, e o principe resolveu collocar a estatua de marmore, que fôra o seu maior amigo, no jardim do palacio. O principe costumava levar os filhos a brincarem no jardim, e sentava-se ao pé da estatua chorando com pesar, e dizia:

--Quem me dera o meu amigo outra vez vivo.

--Pois se queres o teu amigo outra vez vivo (disse-lhe uma voz) mata esses teus filhos, e unta esta pedra com sangue innocente.

O principe hesitou, mas cheio de confiança no poder da amisade, degolou os meninos, e a estatua mecheu-se logo e appareceu ali o amigo outra vez vivo. Abraçaram-se muito, e quando o principe se voltou para o logar onde estavam os filhos achou-os muito alegres a brincarem, tendo apenas em volta do pescoço uma fitinha vermelha. Nunca mais se separaram, e d'ali em diante viveram todos muito felizes.

(Algarve.)

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

O Aprendiz do Mago

Um homem de grandes artes tinha na sua companhia um sobrinho, que lhe guardava a casa quando elle sahia. De uma vez deu-lhe duas chaves, e disse:

--Estas chaves são d'aquellas duas portas; não m'as abras por cousa nenhuma do mundo, senão morres.

O rapaz assim que se viu só, não se lembrou mais da ameaça e abriu uma das portas. Apenas viu um campo escuro e um lobo que vinha correndo para arremetter com elle. Fechou a porta a toda a pressa, passado de medo. D'ahi a pouco chegou o Mago:

--Desgraçado! para que me abriste aquella porta, tendo-te avisado que perderias a vida?

O rapaz taes choros fez que o Mago lhe perdoou. De outra vez sahiu o tio, e fez-lhe a mesma recommendação. Não ia muito longe, quando o sobrinho deu volta á chave da outra porta, e apenas viu uma campina com um cavallo branco a pastar. N'isto lembrou-se da ameaça do tio, e já o sentiu subir pela escada, e começou a gritar.

--Ai que agora é que estou perdido!

O cavallo branco fallou-lhe:

--Apanha d'esse chão um ramo, uma pedra e um punhado de areia, e monta já quanto antes em mim.

Palavras não eram ditas, o mago abria a porta da casa; o rapaz salta para cima do cavallo branco e grita:

--Foge, que ahi chega meu tio para me matar.

O cavallo branco correu pelos áres fóra, mas ia já muito longe, e o rapaz torna a gritar:

--Corre, que meu tio já me apanha para me matar.

O cavallo branco correu mais, e quando o Mago estava quasi a apanhal-os, disse para o rapaz:

--Deita fóra o ramo.

Fez-se logo ali uma floresta muito fechada, e emquanto o Mago abria caminho por ella, pozeram-se muito longe. Mas o rapaz tornou outra vez a gritar:

--Corre, que já ahi está meu tio que me vae matar.

Disse o cavallo branco:

--Bota fóra a pedra.

Logo ali se levantou uma grande serra cheia de penedias, que o Mago teve de subir, emquanto elles avançavam caminho. Mais adiante grita mais o rapaz:

--Corre, que meu tio agarra-nos.

--Pois atira ao vento o punhado de areia, disse-lhe o cavallo branco.

Appareceu logo ali um mar sem fim, que o Mago não pôde atravessar. Foram dar a uma terra onde se estavam fazendo muitos prantos. O cavallo branco ali largou o rapaz, e disse-lhe que quando se viesse em grandes trabalhos que chamasse por elle, mas que nunca dissesse como viera ter ali. O rapaz foi andando e perguntou porque eram aquelles grandes prantos.

--É porque a filha do rei foi roubada por um gigante, que vive em uma ilha onde ninguem póde chegar.

--Pois eu era capaz de ir lá.

Foram dizel-o ao rei, e o rei obrigou-o com pena de morte a cumprir o que dissera. O rapaz valeu-se do cavallo branco, e conseguiu ir á ilha e trazer de lá a princeza, porque apanhou o gigante dormindo.

A princeza assim que chegou ao palacio não parava de chorar. Perguntou-lhe o rei:

--Porque choras tanto, minha filha?

--Choro, porque perdi o meu annel que me tinha dado a fada minha madrinha, e emquanto o não tornar a achar, estou sujeita a ser roubada outra vez ou ficar para sempre encantada.

O rei mandou lançar um pregão em como dava a mão da princeza a quem achasse o annel que ella tinha perdido. O rapaz chamou o cavallo branco, que lhe trouxe do fundo do mar o annel, e o rei não lhe queria já dar a mão da princeza. Mas ella é que disse que casaria com elle para que se dissesse sempre--que palavra de rei não torna atraz.

(Eixo-Districto de Aveiro.)

Portanto, mais uma vez quem faz asneiras é recompensado. Ou talvez não, que aturar uma princesa deve ser uma seca. Por outro lado, surge-me a dúvida: para que raio servia a outra porta?

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

O Mestre das Artes

Havia um pae, que tinha tres filhos, e enquanto dois d'elles andavam a trabalhar nos campos, o mais moço começou a aprender todas as artes e industrias. Disseram os irmãos ao pae:

--Nós trabalhamos até aqui para meu pae poder viver, e o nosso irmão mais novo sem fazer nada; agora d'aqui em diante elle deve puxar pelo que aprendeu.

O filho mais novo pediu ao pae que lhe desse um açaimo de cão de caça, e disse-lhe:

--Vou-me tornar em cão de caça, meu pae hade trazer uma correia e um pau para virem cheios de coelhos, e hade passar pela porta do mercador, que se dá por grande chibante de caça.

O pae pôz o açaimo ao rapaz que se tinha tornado em cão, e foi com elle para a caça. Apanhou muitos coelhos, trazia-os dependurados no pau e o cão atraz d'elle. O mercador quando o viu passar pela porta perguntou:

--Oh homem! só com esse cão apanhaste tanta caça?

--Sim senhor.

--Hasde-me vender o cão.

--Só se o senhor me der cem mil reis.

--Pois sim; está vendido o cão.

Contou o dinheiro; lá ficou o cão e o homem foi-se embora. Vae o mercador caçar com o seu cão por uns cerrados; correndo atraz de um coelho, o cão metteu-se por um vallado de silvas, e foi sair por outra banda; tirou com as unhas o açaimo, e ficou outra vez gente. O mercador fartou-se de chamar e de esperar pelo cão. O rapaz veiu passar pelo pé d'elle, que lhe perguntou:

--Viu você por ahi um cão de caça?

--Não vi, mas senti mecher no vallado que é muito fundo; talvez seja o bicho, que não póde de lá sair.

O certo foi que o mercador perdeu o cão e o dinheiro, e foi-se embora sem nada. O rapaz disse ao pae:

--Agora hade-me comprar um freio para eu me tornar em cavallo.

O pae assim fez; correu com o cavallo todas as ruas. O Mestre das Artes de Paris, que o tinha tido em casa logo conheceu o cavallo e fez com que o homem lh'o vendesse por todo o preço. Não olhou a dinheiro, e tomou conta do cavallo, e metteu-o na cavalheiriça sem lhe tirar o freio, a ponto de elle não poder comer nada.

O Mestre das Artes tinha tres filhas e recommendou-lhes que não fossem á cavalheiriça. Logo que o pae saiu ellas disseram umas para as outras:

--Vamos vêr o que tem a cavalheiriça..

Foram e viram um cavallo lindo, muito bem feito, e viram que elle não podia comer nada.

--Coitadinho! tira-se-lhe o freio a ver se come.

Tiraram-lhe o freio, e assim que elle disse:--Ai de mim, passaro!--vôa logo pela janella fóra. Encontrou o Mestre das Artes no caminho, que o conheceu e disse:--Ai de mim milhafre!--que era para matar o passaro.

Ficou elle muito alcançado de vêr o milhafre atraz de si, e disse:

--Ai de mim annel!--E caiu nas ondas do mar, e uma garoupa enguliu-o. A garoupa foi ter a outro pariz; um pescador pescou-a e foi vendel-a a palacio. A princeza foi vêr concertar o peixe, viu no buxo um annel. A criada lavou o annel e deu-o á princeza; ella estimava o annel mais que todas as outras joias que tinha. A princeza ao deitar-se tirava o annel e punha-o sobre uma banca. O annel de noite, tornava-se em homem, e punha-se a conversar com a princeza, que cheia de medo chamava o rei seu pae. N'este ponto o homem tornava-se formiga, e o rei vinha e não via nada. Succedeu isto tres noites; na ultima elle disse á princeza:

--Eu sou a prenda que trazeis no dedo; tenho de dizer a sua alteza, que o rei seu pae está muito doente; os medicos não lhe darão cura. Só o Mestre das Artes de Paris é que lhe dará cura; mas elle não hade querer dinheiro, nem prenda, nem joia nenhuma. So hade pedir ao rei o annel que traz a princeza; não lh'o dê vossa alteza na mão, mas deixe-o cair ao chão.

Ella fez como o rapaz lhe tinha pedido. Soube-se da doença do rei, até que foi chamado o Mestre das Artes, que teimava em querer o annel. A princeza zangada da teima, atirou com o annel ao chão. A annel disse:--Ai de mim, painço!

E derramou-se em painço pelo chão. O Mestre das Artes tornou-se em gallinha para apanhal-o, e o rapaz tornou-se em comadrinha (doninha), pegou ás dentadas na gallinha e matou-a.

Mal acabou, tornou-se em homem e explicou tudo ao rei, e como elle é que tinha ensinado a cura do rei casou-o com a princeza e foram muito felizes.

(Ilha de S. Miguel--Açores.)

Algumas semelhanças com o conto anterior (nr 9), O Mágico, típico do Algarve.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

O Magico

Havia n'uma terra um homem entendido em artes magicas, que nunca queria tomar criado que soubesse lêr para lhe não apanhar o segredo dos seus livros. Foi um moço offerecer-se dizendo que não sabia lêr, e assim ficou-o servindo, e leu todos os livros da livraria do magico, e quando já podia competir com elle, fugiu com todos os livros. Um dia o discipulo achou-se mestre e quiz viver das suas artes; disse a um criado que fosse á feira vender um lindo cavallo que devia de estar na estrebaria, disse-lhe o preço, e ordenou-lhe que assim que o vendesse lhe tirasse logo o freio. Á hora da feira o criado foi á estrebaria e lá achou um lindo cavallo e partiu com elle para o mercado. Estava na feira o Magico que tinha sido roubado, e conheceu logo debaixo da fórma do cavallo o seu antigo discipulo; foi ajustar o preço, pagou a quantia tão depressa, que o criado se esqueceu de tirar o freio ao cavallo. Quando o quiz fazer já não foi possivel, porque o Magico disse que o contracto estava fechado desde que lhe entregara o dinheiro. O magico levou o cavallo para casa, muito contente por se poder vingar á vontade do seu inimigo que lhe tinha roubado toda a sua sabedoria. De uma vez disse ao criado que fosse á ribeira levar o cavallo a beber, mas que não lhe tirasse o freio. O cavallo andava muito triste, cheirava a agua mas não bebia; o criado lembrou-se de lhe tirar o freio, pensando que elle assim beberia. De repente o cavallo transforma-se n'uma rã, e sóme-se pela agua. O Magico que estava á janella de sua casa viu aquillo, e transformou-se em um sapo, para ir apanhar a rã. O discipulo, que sabia a sorte que o esperava se tornasse a cair em poder do mestre, transformou-se em uma pomba, e voou, voou por esses áres; o magico transformou-se em um milhafre, e correu atraz da pomba para tragal-a. Já ia muito cansada a pomba, e quasi que estava para ser agarrada, quando viu uma princeza que estava em um terraço, e foi-lhe cair no collo, transformando-se em um annel de grande preço. A princeza pasmada com o que viu, e com a lindeza da joia, meteu-a no dedo; o Magico, viu que nada podia fazer, e como ainda estava na fórma de milhafre entra pelo quarto do rei dentro e bota-lhe um cabello no copo de leite que elle estava para beber. O rei, já se sabe, teve uma grande doença, foram chamados todos os medicos, mas nenhum era capaz de o curar; o Magico appareceu sob a figura de medico e prometteu dar saude ao rei, mas só se lhe desse o annel que a princeza trazia no dedo. O rei disse que sim; então o annel transformou-se em um lindo rapaz e pediu á princeza que quando o rei lhe mandasse entregar o annel ao Magico, que lh'o não desse na mão, mas que o atirasse ao chão, para elle o levantar. O rei passados dias ficou bom, e assim que o Medico veiu á côrte, pediu o annel; o rei chamou a filha e disse que lhe entregasse o annel. A princeza mostrou-se triste mas obedeceu; tirou o annel e deitou-o ao chão, como se estivesse zangada. O annel transformou-se em uma romã que toda se esbagoou pela sala; mas o magico mudou-se em gallinha, e n'um instante foi engolindo todos os grãos. Ficou um unico grãosinho de traz de uma porta, e esse transformou-se n'uma raposa, que se atirou á gallinha e a comeu n'um instante. A princeza ficou muito pasmada com aquillo, e pediu á raposa que se tornasse em principe que casaria com elle. E elle assim fez e foram muito felizes.

(Algarve.)

Comentário meu: estes contos não costumam ter uma moral da história clara. Este, no entanto, tem uma que me deixa atrapalhado: o crime compensa!

domingo, 9 de janeiro de 2011

Cravo, Rosa e Jasmim

Uma mulher tinha tres filhas; indo a mais velha passeiar a uma ribeira, viu dentro da agua um cravo, debruçou-se para apanhal-o, e ella desappareceu. No dia seguinte succedeu o mesmo a outra irmã, porque viu dentro da ribeira uma rosa. Por fim, a mais nova tambem desappareceu, por querer apanhar um jasmim. A mãe das trez raparigas ficou muito triste, e chorou, chorou, até que tendo um filho, este quando se achou grande, perguntou á mãe porque é que chorava tanto. A mãe contou-lhe como é que ficára sem as suas tres filhas.

--Pois dê-me minha mãe a sua benção, que eu vou por esse mundo em procura d'ellas.

Foi. No caminho encontrou tres rapazes em uma grande guerreia. Chegou ao pé d'elles... «Olá, que é isso?» Um d'elles respondeu:

--Oh, senhor; meu pae tinha umas botas, um chapeu e uma chave, que nos deixou. As botas em a gente as calçando, e lhe diga: Botas, põe-me em qualquer banda; que se apparece onde se quer; a chave abre todas as portas; e o chapeu em se pondo na cabeça, ninguem mais nos vê. O nosso irmão mais velho quer ficar com as tres cousas para si, e nós queremos que se repartam á sorte.

--Isso arranja-se bem, disse o rapaz querendo harmonisal-os. Eu atiro esta pedra para bem longe, e o que primeiro a apanhar é que hade ficar com as tres cousas.

Assentaram n'isso; e quando os tres irmãos corriam atraz da pedra, o rapaz calçou as botas, e disse:

--Botas, levem-me ao logar em que está minha irmã mais velha.

Achou-se logo n'uma montanha escarpada onde estava um grande castello, fechado com grossos cadeados. Meteu a chave e todas as portas se lhe abriram; andou por salas e corredores, até que deu com uma senhora linda e bem vestida que estava muito alegre, mas gritou com espanto:

--Senhor! como é que pôde entrar aqui?

O rapaz disse-lhe que era seu irmão, e contou-lhe como é que tinha podido chegar ali. Ella tambem lhe contou a sua felicidade, mas que o unico desgosto que tinha era não poder o seu marido quebrar o encanto em que andava, porque sempre lhe tinha ouvido dizer que só se desencantaria quando morresse um homem que tinha o condão de ser eterno.

Conversaram bastante, e por fim a senhora pediu-lhe para que se fosse embora, porque podia vir o marido e fazer-lhe mal. O irmão disse que não tivesse cuidado por que trazia comsigo um chapeu, que em o pondo na cabeça ninguem mais o via. De repente abriu-se a porta, e appareceu um grande passaro, mas nada viu, porque o rapaz quando sentiu barulho pôz logo o chapeu. A senhora foi buscar uma grande bacia dourada, e o passaro metteu-se dentro transformando-se em um mancebo formoso. Em seguida olhou para a mulher, e exclamou:

--Aqui esteve gente!--Ela ainda negou, mas viu-se obrigada a confessar tudo.

--Pois se é teu irmão, para que o deixaste ir embora? Não sabias que isso era motivo para eu o estimar? Se cá tornar, dize-lhe para ficar, que o quero conehcer.

O rapaz tirou o chapeu, e veiu comprimentar o cunhado, que o abraçou muito. Na despedida deu-lhe uma penna, dizendo:

--Quando te vires em alguma afflicção, se disseres: Valha-me aqui o Rei dos Passaros! hade-te sair tudo como quizeres.

Foi-se o rapaz embora, porque disse ás botas que o levassem onde estava sua irmã do meio. Aconteceram pouco mais ou menos as mesmas cousas; á despedida o cunhado deu-lhe uma escama:

--Quando te vires em alguma afflicção dize: Valha-me aqui o Rei dos Peixes!

Até que chegou tambem a casa da sua irmã mais nova; achou-a em uma caverna escura, com grossas grades de ferro; foi ao som das lagrimas e soluços dar com ella muito magra, que assim que o viu gritou:

--Quem quer que vós sois, tirae-me d'aqui para fóra.

Elle então deu-se a conhecer, e contou-lhe como achou as outras duas irmãs muito felizes, mas só com o desgosto de não poderem os seus maridos desencantar-se. A irmã mais nova contou-lhe como estava com um velho hediondo, um monstro que queria casar com ella por força, e que a tinha ali preza por não lhe querer fazer a vontade. Todos os dias o velho monstro vinha vel-a para lhe perguntar se já estaria resolvida a tomal-o como marido; e que ella se lembrasse que nunca mais tinha liberdade, porque elle era eterno.

Assim que o irmão ouviu isto lembrou-se do encantamento dos dois cunhados, e pensou em apanhar o segredo por que elle era eterno; aconselhou á irmã que fizesse a promessa de casar com o velho, se lhe dissesse o que é que o fazia etterno.

De repente o chão estremeceu todo, sentiu-se como um grande furacão, e entrou o velho, que chegou ao pé da menina e lhe perguntou:

--Ainda não estás resolvida a casar commigo? Tens de chorar todo o tempo que o mundo fôr mundo, porque eu sou eterno, e quero casar contigo.

--Pois casarei contigo, disse ella, se me disseres o que é que faz que nunca morras?

O velho desatou ás gargalhadas:

--Ah, ah, ah! pensas que me poderias matar! Só se houvesse quem fosse ao fundo do mar buscar um caixão de ferro, que tem dentro uma pomba branca, que hade pôr um ovo, e depois trouxesse aqui esse ovo, e m'o quebrasse na testa.

E tornou a rir-se na certeza de que não havia ninguem que fosse ao fundo do mar, nem fosse capaz de achar onde estava o caixão, nem mesmo de o abrir, e tudo o mais que se sabe.

--Agora tens de casar commigo, porque já te descobri o meu segredo.

A menina pediu ainda uma demora de tres dias, e o velho foi-se embora muito contente. O irmão disse para ella, que tivesse esperança, que dentro em tres dias estaria livre. Calçou as botas e achou-se á borda do mar; pegou na escama que lhe deu o cunhado e disse:

--Valha-me aqui o Rei dos Peixes!

Appareceu logo o cunhado, muito satisfeito; e assim que ouviu o acontecido mandou vir á sua presença todos os peixes; o ultimo que chegou foi uma sardinhinha, que se desculpou por se ter demorado porque embicou n'um caixão de ferro que está no fundo do mar. O rei dos peixes deu ordem aos maiores que fossem buscar o caixão ao fundo do mar. Trouxeram-n'o. O rapaz assim que o viu, disse á chave:

--Chave, abre-me este caixão.

O caixão abriu-se, mas apesar de todas as cautellas, fugiu-lhe de dentro uma pomba branca.

Disse então o rapaz, para a penna:

--Valha-me aqui o Rei dos Passaros.

Appareceu-lhe o cunhado, para saber o que elle queria, e assim que o soube mandou vir á sua presença todas as aves. Vieram todas e só faltava uma pomba, que veiu por ultimo desculpando-se, que lhe tinha chegado no seu agulheiro uma antiga amiga que estava ha muitos annos preza, e que lhe tinha estado a arranjar alguma cousa de comer. O Rei dos Passaros disse que ensinasse ao rapaz onde é que era o ninho onde a pomba estava, e lá foram, e o rapaz apanhou o ovo que ella já tinha posto e disse ás botas que o levassem á caverna onde estava a irmã mais moça. Era já o terceiro dia, e o velho vinha pedir o cumprimento da palavra da menina; ella, que já estava aconselhada pelo irmão, disse que se reclinasse no seu regaço; mal o apanhou deitado, com toda a certeza quebrou-lhe o ovo na testa, e o monstro dando um grande berro, morreu. Os outros dois cunhados quebraram ao mesmo tempo o encantamento, vieram ali ter, e foram com as suas mulheres, que ficaram princezas, visitar a sogra, que viu o seu choro tornado em alegria, na companhia da filha mais nova, que lhe trouxe todos os thesouros que o monstro tinha ajuntado na caverna.

(Algarve.)

sábado, 8 de janeiro de 2011

As Fiandeiras

Era uma mãe que tinha uma filha e só pensava em casal-a bem. Foi a casa de um mercador que vendia linho, e pediu-lhe para que lhe vendesse uma pedra de linho, porque a filha fiava tudo n'um dia. Trouxe o linho para casa e disse á filha:

--Tens de me fiar esta pedra de linho hoje mesmo, porque ámanhã vou buscar mais. Quando voltar a casa quero achar o linho todo fiado.

A pequena foi sentar-se á porta, a chorar, sem saber como obedecer á mãe. Passou uma velhinha:

--A menina o que tem, que está a chorar d'esse modo?

--O que hei-de ter! É minha mãe que quer á força que lhe fie n'um dia uma pedra de linho, e eu não sei fiar.

--Deixe a menina estar que eu lhe fio tudo se me prometter que no dia do seu casamento me hade chamar tres vezes tia.

A menina olhou para dentro de casa, e viu o linho remexido, e todo fiado. No dia seguinte a mãe foi á loja, gabou muito a habilidade da filha, e pediu outra pedra de linho para ella fiar. A pequena foi sentar-se á porta, a chorar, esperando que passasse a velhinha da vespera. Passou uma outra:

--A menina o que tem, que está a chorar d'essa maneira?

A pequena contou-lhe as ordens que tinha recebido da mãe.

--Pois se a menina me promette que no dia do casamento me hade chamar tres vezes sua tia, o linho hade apparecer fiado.

A pequena prometteu que sim, e olhando para dentro de casa deu com o linho remexido e prompto.

A mãe foi buscar mais outra pedra de linho, e repetiu-se o mesmo caso; até que passou uma terceira velhinha que lhe fez tudo com a mesma promessa. O commerciante sabendo d'aquella habilidade quiz ver a rapariga, achou-a bonita e esperta e quiz casar com ella; a mãe ficou bem contente porque o noivo era muito rico. O commerciante mandou-lhe um grande presente, com muitas rocas e fusos, para que quando casassem, as suas criadas todas fiassem. No dia do casamento fez-se um grande jantar, e todos os seus amigos assistiram; quando estavam á mesa bateu á porta uma velhinha:

--Ai! é aqui que móra a noiva?

--Entre minha tia; sente-se aqui, minha tia; coma alguma cousa, minha tia.

Ficaram todos pasmados de verem uma velha tão corcovada com um nariz muito grande. Mas calaram-se. Instantes depois, bateram á porta; era outra velhinha:

--É aqui que móra a noiva que se casou hoje?

--É, minha tia; entre, minha tia; jante connosco, minha tia.

A velha sentou-se e todos ficaram pasmados do grande aleijão que ella tinha nos queixos. Mas continuaram a jantar. Bateram outra vez á porta; era outra velhinha, que fez a mesma pergunta.

--Ora entre, minha tia; cá a esperavamos, minha tia; hade jantar connosco, minha tia.

Tambem não causou menos pasmo esta velha toda corcovada e com as costellas embicadas para fóra; mas d'esta vez os curiosos, principalmente o noivo, perguntaram porque tinham aquellas tias tamanhos aleijões.

Disse a primeira:

--Tenho assim o nariz, porque fiei muito, muito, e as arestas do linho pozeram-me assim.

--E eu, meu sobrinho, tenho assim os queixos, porque fiei muito, e fiquei assim por tanto riçar os tomentos.

--E eu, sobrinho, fiquei com estas corcovas por estar sempre para um canto com a roca á cinta.

O marido assim que ouviu aquillo, levantou-se e foi pegar nas rocas, fusos, sarilhos, dobadouras e tudo e atirou-os para a rua, e disse que na sua casa nunca mais se havia de fiar, porque não queria que lhe acontecessem à sua mulher taes desgraças.

(Algarve.)

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

A filha do rei mouro

Um rei mouro tinha duas filhas. A mais nova queria aprender a religião e andava ás escondidas com o camarista, que a ensinava. A mais velha vendo-a uma vez sair do quarto do camarista, disse-lhe:

--Deixa estar, mana, que pae hade saber tudo.

--Ai menina! disse o camareiro, se o rei sabe que anda a aprender a resar commigo, estamos perdidos.

--Não tenhas mêdo; alevanta-te de madrugada, aparelha dois cavallos e vamos para a tua terra.

Assim fez; ella encheu tres saccos, um de cinza, outro de sal, e outro de carvão, e foram-se ambos por esse mundo fóra. Quando o rei soube da fugida, mandou a sua tropa para agarrarem o camarista e a filha, e que os matassem onde quer que os encontrassem. A cavallaria correu a toda a brida, e estava já quasi a pilhal-os, quando o camarista, olhando para traz, gritou:

--Ai menina, estamos perdidos.

--Não tenhas mêdo.

E a menina despejou o saco de cinza e fez-se logo um nevoeiro tão cerrado, que a tropa nao pôde dar mais um passo, e voltaram para traz a dizer ao rei:
Armou-se tamanho nevoeiro,
Que não viamos caminho nem carreiro.
O rei mandou-os avançar de novo, e que lhe trouxessem a princeza e o camarista presos.

--Ai menina, estamos perdidos! disse o camarista vendo a cavallaria quasi a alcançal-os.

--Não tenhas mêdo.

E despejou o sacco de sal, e fez-se logo ali um grande mar, que os soldados não poderam atravessar. Voltaram outra vez para traz e foram dizer ao rei:
Real senhor, achamos um grande mar
Que os cavallos não poderam passar.
O rei deu outra vez ordem de ir agarrar a filha e o camarista:

--Ai menina, estamos perdidos.

--Não tenhas mêdo.

E despejou o sacco do carvão, e logo se vez uma noite muito escura, com grandes trovoadas e relampagos. As tropas voltaram, e foram dizer ao rei:
Real Senhor, fugimos em debandada
Com tantos raios e tamanha trovoada.
O camarista já estava perto da sua terra, e a princeza disse-lhe:

--Eu salvei-te da morte; mas agora em chegando á tua terra já te não lembras mais de mim.

Assim aconteceu. Ella com tristeza vestiu-se de viuva, e pôz uma estalagem para poder viver. O camarista, convidou tres amigos, e disse-lhes:

--Havemos ir cada um por sua vez pernoitar áquella estalagem.

Foi o primeiro, e disse que desejava ficar ali aquella noite. A estalajadeira disse que sim. Elle ficou muito contente. Quando foi para o quarto, começou a despir-se e a vestir-se, a despir-se e a vestir-se e ficou n'isto até de manhã, em que já estava muito cançado. Assim que foi dia a estalajadeira, que tinha visto tudo do andar de cima, disse-lhe que se pozesse no meio da rua, porque tinha estado a fazer zombaria da sua casa. Veiu o segundo, e tambem pediu para pernoitar; levou toda a noite a despir e a vestir a camisa, sem poder parar. Pela manhã tambem foi posto fóra com igual descompostura. Veio o terceiro; pediu para pernoitar, e ella deu-lhe licença. Quando se ia deitar, disse que tinha muita sêde:

--Pois vá ao quintal, e tire agua d'aquelle poço.

Toda a noite o pobre do homem esteve dando á nora, e só quando foi de dia é que appareceu a estalajadeira, que o fez parar e o pôz fóra, dizendo que tinha vindo fazer zombaria da sua casa. Chegou o quarto amigo, e tambem pediu para pernoitar; ficou muito contente com a licença, porque os outros guardaram sempre o segredo do que lhes acontecera. Quando a estalajadeira estava deitada, disse:

--Ai que me esqueceu fechar a porta da rua.

--Vou eu fechal-a.

E toda a noite o hospede andou para cá e para lá a fechar a porta da rua, até que pela manhã estava estafado, e a estalajadeira o pôz fóra, por lhe querer quebrar a porta.

Os quatro amigos reuniram-se e contaram uns aos outros o succedido. Mas ainda assim o camarista, que era um d'elles, não se lembrava nem por nada da amante que abandonara com tanta ingratidão. Como elle estivesse para casar na sua terra, segundo o costume, tinha de dar um jantar tres dias antes do casamento ás pessoas com quem visinhava. Foi tambem convidar a estalajadeira viuva. Ella foi ao jantar. Quando estavam todos á mesa, combinou-se que cada um contaria a sua historia:

--A senhora, apesar de estar com esse desgosto, hade tambem contar o seu conto.

A estalajadeira pediu que lhe apresentassem duas tijellas. Bateu com uma na outra, e appareceram um pombo e uma pomba. E disse a pomba:

--Não te lembras quando me ensinavas a resar ás escondidas de meu pae?

Disse o pombo:

--Lembro-me.

--E não te lembras quando minha irmã disse que ia contar tudo ao pae, e que disseste: Ai que estamos perdidos?

E assim foi perguntando, e o pombo respondendo a tudo o que se tinha passado com a filha do rei mouro. Só ao fim de muitas perguntas é que os convidados começaram a reparar em circumstancias que se tinham dado com os quatro amigos, e o camarista conheceu a sua ingratidão:

--Real senhor, eu é que sou esse esquecido; e já desfaço aqui este casamento, para receber quem por mim deixou pae e mãe e a sua terra.

(Extremadura e Algarve.)

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

As trez fadas

Era uma vez uns casados que não tinham filhos, e viviam por isso muito descontentes. A mulher foi-se confessar ao Padre Santo Antonio, e contou-lhe o seu desgosto. O santo deu-lhe tres maçãs, para que as comesse em jejum. A mulher chegou a casa, pôz as trez maçãs sobre uma commoda, e foi arranjar o almoço. O marido vindo de fóra encontrou as tres maçãs e comeu-as.

Ao almoço a mulher contou o succedido na confissão e o marido ficou todo assustado. A mulher foi outra vez fallar com o santo, que lhe disse:

--Pois os trabalhos por que tinhas de passar, o teu marido que os passe.

Chegado o tempo o homem começou a gritar, chamou-se pessoa entendida, e abriram-no para o alliviar. O homem desesperado mandou deitar a criança no monte. Uma aguia desceu do ár e levou a criança no bico e li a creou com o leite que ia tirar ás vaccas que andavam pastando, e agasalhava-a com a roupa que pilhava pelos estendedouros. Fez-lhe uma casinha de palha, e ali se creou a pobre criança, que se tornou uma menina formosa.

Um dia passou por aquellas montanhas um principe que andava á caça; viu aquella menina tão linda, e perguntou-lhe se ella queria ir com elle. Respondeu que sim. Quando a metteu na carruagem, acudiu a aguia para lh'a tirar, mas não podendo ainda lhe vasou um olho. A menina ficou com aquele defeito, mas o principe não deixou de a amar. Levou-a consigo, e escondeu-a no seu quarto no palacio. A rainha desconfiada de vêr o filho sempre fechado no seu quarto, quiz saber o que seria, e combinou uma grande caçada, que durava dias. Foram todos e por lá andaram, e a rainha pôde entrar no quarto do filho por uma porta que só ella sabia. Assim que entrou viu a menina:

--Ah! és tu, torta zarôlha, que tanto encantas o meu filho? Anda d'ahi vêr estes palacios e o jardim.

A menina foi com a rainha; assim que chegaram ao jardim, levou-a para o pé de um poço muito fundo, e deitou-a lá dentro. Quando veiu o filho da caça, foi logo ter com elle:

--Aquella torta zarôlha que tinhas fechada no teu quarto, assim que se lhe abriu a porta, botou a correr por ahi fóra, e ninguem foi capaz de a apanhar.

De noite pasaram trez fadas pelo pé do poço e sentiram uns gemidos:

--Que será? que não será?

--São vozes de mulher.

Chegaram á borda do poço para escutarem melhor, e disse uma das fadas:

--Eu te fado que saias d'esse poço cá para fóra, e que sejas da maior perfeição do mundo.

--Pois eu te fado que tenhas uma tezourinha de prata, para cortares a lingua a quem te perguntar as cousas duas vezes.

--E eu te fado que tenhas um palacio defronte do palacio da rainha, que seja velho por fóra, mas por dentro chapeado de ouro e prata.

Ao outro dia, ficaram todos espantados no paço por verem um grande palacio antigo defronte, sem se lembrarem como e quando é que o ali edificaram. A rainha ainda ficou mais pasmada com aquillo, e mandou o seu velho camareiro saber o que era, e quem morava ali.

O camareiro entrou no velho palacio mas ficou assombrado com o que viu por dentro; appareceu-lhe uma menina muito ricamente vestida, a quem fez as perguntas de mandado da rainha. Ella respondeu:
Diga a sua magestade
Que minha mãe me desejou,
Que foi meu pae que me teve
E nas silvas me deitou;
Uma aguia me creou,
Na caça o principe me achou,
A rainha ao poço me deitou,
Mas tres fadas me fadaram,
Para aqui me trouxeram
E eu d'aqui não me vou.
O camareiro não ficou logo com o recado na cabeça, e pediu á menina para o repetir; e ella disse então:

--Desanda tezourinha.

Caiu-lhe a lingua n'um instante; o camareiro voltou para o palacio, e só podia dizer: ló-ló-ró, ló-ló-ró. A rainha mandou lá outro fidalgo, mas tambem lhe succedeu o mesmo. Por fim foi lá o principe, e quando ouviu aquelles versos que a menina dizia, veiu dar parte á rainha, que se quiz certificar com os seus olhos, e depois deu licença para o filho casar com ella.

(Algarve.)

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

A saia de esquilhas

Um homem rico tinha tres filhas, e costumava ir passar o verão com ellas para o campo; ao voltar para a côrte ficou a filha mais velha, que era muito esperta, encarregada de arranjar a bagagem. Depois de ter tudo arrumado e prompto para partir, foi ter com a caseira da quinta, que andava no arranjo da sua casa. Em cima de uma caixa estava uma roca com estopa, e a menina pegou n'ella para se entreter:

--Menina, não pegue n'essa roca; póde metter alguma púa pelas unhas, e olhe que faz grades dôres.

A velha continuou a governar a sua casa, quando sentiu um grito; veio vêr o que era. Era a menina que tinha cahido desmaiada, sem sentidos. Deu-lhe a cheirar alecrim, alfazema, mas ella não voltava a si. Apoquentada com aquella desgraça, escondeu a menina, e logo que anoiteceu foi deital-a na tapada real; pôz-lhe uma almofada para recostar a cabeça e cobriu-a com uma manta, fingindo que estava ali a dormir. Passado outro dia foi lá vêr se a menina teria dado accordo de si. Nada. Calou-se muito calada e voltou para sua casa.

O principe costumava sempre andar á caça, e n'um dia recolheu-se áquella tapada, porque lhe anoiteceu depressa; mas foi grande o seu espanto quando descobriu ali uma menina muito formosa, a dormir, sosinha. Esteve primeiro a olhar para ella muito tempo; já se sentia apaixonado, e quiz acordal-a; ella estava córada e risonha, mas não se movia. O principe quiz acordal-a, porque bem conhecia que não estava morta, queria-lhe fallar. Foi tudo impossivel. Ali ficou junto d'ella, e todas as vezes que podia, fingia que ia para a caça, mas não fazia senão vir sentar-se para o pé da menina que elle já amava com loucura. Só o criado que o acompanhava é que sabia do segredo. O principe vinha á côrte de fugida só quando era preciso, e tornava para a tapada, onde guardava a menina adormecida, que ainda assim veiu a ter trez filhos.

As crianças foram crescendo, e cada vez se tornavam mais encantadoras; mas o principe tinha uma grande pena da mãe estar n'aquelle estado. Um dia andando um dos pequeninos a brincar em cima da cama, começou a pegar nas unhas da mãe, e por acaso, sem saber como, fez-lhe saltar da unha a púa que causára aquella doença. O principe, que estava ali, ficou maravilhado por vel-a mecher-se logo e começar a fallar e a beijar os filhos, como se tivesse voltado á vida. O principe contou-lhe tudo como se tinha passado até ali, e disse-lhe que os seus tres filhos se chamavam Cravo, Rosa e Jasmim. A rainha já andava desconfiada d'aquellas ausencias do filho, e tratava de vêr se descobria alguma cousa.

Uma occasião o principe teve de ir a uma grande feira, e perguntou á sua namorada se queria que lhe trouxesse de lá alguma cousa; depois de muitas instancias sempre disse:

--Pois traze-me de lá uma saia de esquilhas.

Não havia lá isso, mas o principe mandou-a fazer de proposito; era uma saia cheia de guisos, que tintelintavam. A menina ficou muito contente com a lembrança. Mas a rainha que maquinava a sua vingança, e que pelo pagem que acompanhava o filho já sabia tudo, fez com que o principe se demorasse muitos dias na côrte. O filho com medo do genio ruim da rainha não dizia nada, mas andava cheio de saudades; foi de uma vez que ella lhe ouviu um suspiro:
--Ai de mim,
Cravo, Rosa e Jasmim.
Isto lhe confirmou a verdade; a rainha chamou o pagem e disse-lhe:

--Vaé já, quando não mando-te matar, e traze-me aqui o menino Cravo. Diz lá á minha nora que é ordem do principe, que me contou tudo.

O pagem trouxe o menino; mas a velha rainha entregou-o á criada dizendo:

--Ensopa-me esse menino para o jantar.

Quando o filho estava jantado, e com fastio, porque andava muito triste, a mãe disse-lhe:

--Come, come, que teu é.

Passados dias a rainha deu ordem ao pagem para is buscar a menina Rosa. Seguiram-se as mesmas cousas. Depois deu ordem para lhe trazer o menino Jasmim. O principe já andava doente, e a velha rainha, dizia-lhe sempre á meza:

--Come, come, que teu é.

Por fim não contente ainda d'esta vingança, mandou dizer á nora, que viesse á côrte, porque a queria casar com o seu filho. A menina que já andava morta de saudades, por se vêr sem os seus filhos, vestiu-se á pressa com a sua saia de esquilhas, e partiu para a côrte. A rainha estava á espera d'ella e assim que a viu, deixou-a entrar para um corredor, e lançou-lhe as unhas furiosa para a afogar. A menina luctou para vêr se lhe escapava, e quanto mais luctava, mais barulho fazia a saia de esquilhas.

O principe, que estava de cama, assim que ouviu aquelle som lembrou-se de sua mulher e levantou-se para ir vêr o que era. Viu a rainha querendo estrangular a nora. Chamou gente; e foi então que soube das ordens que a rainha tinha dado para matarem os netos. O principe ainda ficou mais afflicto e começou a gritar:
--Ai de mim,
Cravo, Rosa e Jasmim!
Foi então que a criada da cosinha disse que não tinha cumprido as ordens da rainha, e que tinha escondido os meninos. A rainha foi condemnada, e o pagem sentenciado á morte, e a cosinheira em paga foi feita dama da nova rainha.

(Algarve.)

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

O Surrão

Era uma vez uma pobre viuva, que tinha só uma filha que nunca sahia da sua beira; outras raparigas da visinhança foram-lhe pedir, que na vespera de S. João deixasse ir a sua filha com ella para se banharem no rio. A rapariga foi com o rancho; antes de se metterem no banho, disse-lhe uma amiga:

--Tira os teus brincos e põe-os em cima d'uma pedra, porque te podem cair na agua.

Assim fez; quando estavam a brincar na agua passou um velho, e vendo os brincos em cima de uma pedra, pegou n'elles e deitou'os para dentro do surrão.

A rapariga ficou muito afflicta quando viu aquillo, e correu atraz do velho que já ia longe. O velho disse-lhe que entregava os brincos, com tanto que ella os fosse buscar dentro ao surrão. A rapariga foi procurar os brincos, e o velho fechou o surrão, com ella dentro, botou-o ás costas e foi-se de vez. Quando as outras moças appareceram sem a sua companheira, a pobre viuva lamentou-se sem esperança de tornar a achar a filha. O velho, ao passar a serra, abriu o surrão e disse para a pequena:

--D'aqui em diante hasde-me ajudar a ganhar a vida; eu ando pelas ruas, a pedir, e quando disser:
Canta surrão,
Senão levas com o bordão...
tens de cantar por força. Toma tento.

Por toda a parte por onde o velho passava todos ficavam admirados d'aquella maravilha. Chegou a uma terra, aonda já chegára a noticia de um velho que fazia cantar um surrão, e muita gente o cercou para se certificar. O velho depois que viu que já estavam bastante curiosos, levantou o pau e disse:
Canta surrão,
Senão levas com o bordão.
Ouviu-se então um canto que dizia:
Estou metida n'este surrão,
Onde a vida perderei,
Por amor dos meus brinquinhos
Que eu na fonte deixei.
As auctoridades tiveram conhecimento d'aquelle caso, e trataram de vêr onde é que o velho pousava; foram ter com uma vendeira, que se prestou a deixar examinar o surrão quando o velho estivesse dormindo. Assim se fez; lá encontraram a pobre rapariga, muito triste e doente, que contou tudo, e então é que se soube do caso da viuva a quem tinham furtado a filha. A pequena saiu com as auctoridades, que mandaram encher o surrão de todas as porcarias, de sorte que quando o velho foi ao outro dia mostrar o surrão, este não cantou; deu-lhe com o bordão, e então derramou-se pelo chão toda aquella porcaria que o povo lhe obrigou a lamber, sendo d'ali levado para a cadeia, e a menina para casa de sua mãe.

(Algarve.)

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

RTP adota acordo ortográfico

A RTP adotou o acordo ortográfico mas ficou algo confusa... a ideia é remover ou aumentar o número de consoantes mudas?

O Velho Querecas

Eram tres irmãs, muito pobres, que viviam do seu trabalho aturado. N'aquella terra havia uma casa em que ninguem queria morar porque lá dentro ouviam-se de noite grandes gritos e terrores; as raparigas, para pouparem o aluguel, foram pedir para as deixarem morar n'aquella casa. A mais nova, como mais animosa, foi morar para o ultimo andar.

Uma noite, mal ella se tinha acabado de deitar, ouviu uma voz gritar:

-- Eu caio!

-- Pois cae! -- respondeu-lhe a rapariga. De um buraco do tecto caiu uma perna. Depois soou de novo o mesmo grito:

-- Eu caio!

-- Pois cae! -- repetiu a rapariga; e assim foram caindo os braços, o tronco, até que ella achou diante de si um homem já muito velho e calvo. O velho chegou-se proximo da rapariga, e perguntou-lhe:

-- Não tens medo de mim?

-- Não.

-- Fazes muito bem; és a primeira e unica pessoa que resiste ao medo de me vêr. Em paga da tua coragem toma lá esta bolsa, e quando te vires n'alguma afflicção diz sempre: Valha-me aqui o velho Querecas.

O dinheiro da bolsa nunca se acabava, e as tres irmãs começaram a viver com largueza. No entretanto a mais nova começou a sentir que por mais que se fechasse no seu quarto parecia-lhe que sentia metter-se alguem na cama com ella. Lembrou-se se seria o velho Querecas, e teve uma certa repugnancia; mas para certificar-se, uma noite accendeu de repente a luz, e viu deitado ao pé d'ella um mancebo formoso, que estava adormecido. Estava tão embebida a olhar para elle, que lhe caiu um pingo de cera na cara. O mancebo acordou de repente, e disse:

-- Ah! desgraçada, o que fizeste; dobraste-me o encantamento, que estava quasi no fim! Agora não me tornas mais a ver.

A menina chorou muito, e ainda mais quando conheceu o estado em que se achava. Lembrou-se então do segundo dom, e disse:

-- Valha-me aqui o velho Querecas.

-- Aqui estou já, e bem sei porque me chamas. Há só um modo de remediar o mal que a ti mesmo fizeste. Toma lá estes tres novellos, e vae andando sempre, sempre até onde elles se acabarem; onde quer que seja pede que te dêem ahi pousada do ár da noite.

A rapariga chorou por ter de deixar as irmãs, mas o que ella queria era quebrar o encantamento d'aquelle moço; foi andando, andando até ir dar ao fim de muito tempo a um palacio cercado de um rico jardim. Espreitou pelo buraco da chave, e viu lá dentro uma sala com muitas mulheres trabalhando em lindos vestidos de noivado, e fazendo as roupinhas de uma criança. Teve receio de bater áquella porta, e foi rodeando o palacio, até que encontrou o hortelão, a quem pediu pousada. O hortelão respondeu-lhe:

-- Você sabe em casa de quem está para vir assim pedir pousada?

-- O que sei é que já me não tenho de cançada; e é por uma esmola.

O hortelão teve dó da rapariga e deu-lhe um canto no palheiro; ella deitou-se mais morta que viva, e ali mesmo deu um menino á luz. Tudo aquillo se transformou n'um quarto muito acciado e rico. Quando o hortelão veiu ao outro dia, ficou pasmado com o que viu. Foi dar logo parte á rainha, que tambem quiz certificar-se da maravilha. Quando chegou ao logar em que estava a menina, deu um grito ao vêr a criança:

-- Oh, Senhora! quem é o pae d'este menino?

A rapariga ficou muito envergonhada por não poder logo dizel-o; no meio da sua confusão contou o caso do velho Querecas. Foi então que a rainha se lembrou:

-- Esse menino é o retrato de meu filho, que me desappareceu, sem nunca mais saber d'elle nova má nem boa.

A rainha levou a rapariga para o palacio, tratou de lavar a criança, e quando a despiu achou-lhe nas costas um grande signal. Reparou, e viu que era um pequeno cadeado com uma chavinha. Quiz vêr se o abria, mas com receio disse á mãe que experimentasse a vêr se dava volta áquella chavinha. Logo que a mãe pegou na chave abriu o cadeado, e immediatamente se quebrou o encantamento do principe que deveu a sua liberdade ao animo d'aquella rapariga com quem casou logo.

(Algarve.)

domingo, 2 de janeiro de 2011

A cara de Boi

Era um rei, que tinha trez filhos. Um dia disse:

-- Pois, fihos, vão correr o mundo, e aquelle que trouxer a mulher mais formosa é que hade ficar com o reino.

Partiram todos; os dois mais velhos acharam logo duas raparigas muito formosas, com quem se casaram. Uma era filha de uma padeira e a outra de um ferreiro. O mais novo andou por muitas terras, sem encontrar mulher que lhe agradasse.

Indo um dia por um escampado, cheio de fadiga, desceu do cavallo e deitou-se a uma sombra. Deu-lhe então na vista uma casa muito alta sem porta nenhuma, e só lá bem alto é que tinha uma janella. Esteve ali muito tempo, até que viu vir uma velha, que chegou ao muro da casa, bateu na parede e disse:
Arcello, arcello,
Deita o teu cabello
Cá abaixo de repente,
Quero subir immediatamente.
Foi então que elle viu apparecer á janella uma trança de cabello tão comprida, que ficou espantado com a sua belleza. A velha pegou-se a ella como se fosse uma corda e subiu para dentro de casa. Pouco tempo depois a vellha tornou a sahir, e o cavalleiro tendo desejo de vêr de quem seria a trança, chegou-se á parede, bateu, e repetiu as palavras:
Arcello, arcello,
Deita o teu cabello
Cá abaixo de repente,
Quero subir immediatamente.
A trança desceu pela janella abaixo, e o rapaz subiu. Ficou pasmado quando viu diante de si a cara mais linda do mundo. A menina deu um grande ai de afflicção:

-- Vá-se embora, senhor, que póde vir minha mãe, e tem artes de lhe causar todos os males que ha.

-- Não vou, sem a menina vir commigo, porque eu assim ganho o reino de meu pae. E se não quizer vir, boto-me d'esta janella abaixo.

Desceram ambos pela parede, e fugiram a toda a pressa no cavallo que estava folgado á sombra. Ainda não iam longe, quando ouviram uma voz:

-- Pára, pára, filha cruel, não me deixes só no mundo.

E como a filha fosse sempre fugindo com o principe a velha disse-lhe:

-- Olha para traz ao menos, para receberes a benção de tua mãe.

Assim que a menina se virou para traz, ella disse-lhe:

-- Eu te fado, que essa cara linda que tens se torne em uma cara de boi.

Coitadinha, ficou logo com cara de boi.

Assim que o principe chegou á côrte puzeram-se todos a rir d'aquella figura horrenda, sem saber como elle se tinha apaixonado por cousa tão feia, que fazia fugir. O principe contou a sua desventura aos irmãos, mas quem é que se fiava? Estava quasi a chegar o dia em que os tres irmãos haviam de apresentar as suas mulheres diante de toda a côrte, para se assentar qual era a mais linda, e qual d'elles é que havia de ficar com o reino.

A rainha velha tinha muita pena do filho, e lembrou-se de fazer demorar a ceremonia, para vêr se a velha com o tempo perdoava á menina e lhe restituia a sua formosura.

Disse a rainha, que queria que antes da ceremonia da côrte cada uma das suas tres noras lhe bordasse um lenço. A filha da padeira e a do ferreiro não sabiam bordar, e trataram de enganar a rainha, arranjando quem lhes fizesse os bordados; a que tinha cara de boi pôz-se a chorar, e tanto chorou que lhe appareceu a velha, e disse:

-- Não te rales mais; no dia em que tiveres de entregar o lenço á rainha eu cá t'o virei trazer.

Chegou o dia, e a velha veiu entregar-lhe uma noz muito pequenina. A cara de boi foi leval-a á rainha, dizendo que ali estava o seu lenço. A rainha quebrou a noz e ficou pasmada com a mais fina cambraia, bordada com flôres e ramos e aves.

Chegou o dia de irem á côrte para serem apresentadas as tres noras do rei; a cara de boi pôz-se a chorar, a chorar, até que lhe appareceu a velha que era mãe d'ella:

-- Não chores mais; trago-te aqui um vestido para a festa.--Desdobrou-o; era todo bordado de ouro e pedrarias; a filha vestiu-o, mas quanto o vestido era lindo, tanto ella ficava mais horrenda. E põz-se a chorar, a chorar cada vez mais.

Quando já todos tinham entrado para a sala, faltava só ella; a velha disse-lhe:

-- Vae agora tu.

A filha obedeceu, mas ia muito triste por vêr-se tão medonha. Quando ia pelo corredor do palacio, a mãe disse-lhe cá de longe:

-- Olha para traz.--E assim que a filha virou a cara, continuou:--Fica com a tua formosura. Mas não te esqueças de metteres nas mangas do vestido todos os bocadinhos de toucinho que poderes para me dar.

Então ella entrou na sala pelo braço do marido, e todos ficaram pasmados. A côrte toda confessou que ella é que era a mais linda, e d'alli foram todos para a mesa do banquete. Emquanto estiveram jantando a menina não fazia senão metter bocadinhos de toucinho nas mangas do vestido; as outras duas, que a viam fazer aquillo, trataram de fazer o mesmo pensando que era moda. Acabado o jantar, começaram as danças, e a rainha ao vêr o chão todo besuntado de gordura, e que a cada passo se escorregava em bocados de toucinho, perguntou quem é que fizera aquella porcaria. As damas disseram que o viram fazer á princeza herdeira, e por isso fizeram o mesmo. Começou cada uma a sacudir as mangas dos vestidos, e das mangas da menina começaram a cair aljofres e diamantes misturados com flôres; as outras envergonhadas botaram-se pelas janellas fóra, pelas escadas, corridas, e a que chamavam cara de boi é que veiu a ser a rainha, porque o rei velho entregou a corôa ao filho.
(Algarve -- Faro)

Contos Tradicionaes do Povo Portuguez, Theophilo Braga

nota: a transcrição preserva a grafia original do livro. Daí a imensidão dos erros ortográficos.