domingo, 22 de maio de 2011

Eu sou um dos que não concorda(m)

Já por aqui escrevi muitas críticas a vários autores, tradutores, repórteres e outros, que cismam em utilizar a forma Eu sou um dos que não sabe... em vez da forma mais correcta, Eu sou um dos que não sabem..., já que, a meu ver, o verbo deve estar de acordo com o sujeito, e neste exemplo, são vários os que não sabem (embora exista um especial, que é o próprio orador).

Ora, um amigo da área das letras, fez-me chegar às mãos umas páginas de um documento, uma gramática (Cunha e Sintra, 1986) que transcrevo:
Quando o relativo que vem antecedido das expressões um dos, uma das (+ substantivo), o verbo de que ele é sujeito vai para a terceira pessoa do plural ou, mais raramente, para a terceira pessoa do singular:

És um dos raros homens que têm o mundo nas mãos. (Augusto Abelaria, NC, 121)

Umas das coisas que mais me impressionam é a terrível carreira em que nos excedemos. (Gilberto Amado, TL, 8.)

Foi um dos poucos do seu tempo que reconheceu a originalidade e importância da literatura brasileira. (João Ribeiro, AC, 326)

Acurvado sobre a mesa enconsa de seu lavor mercantil, era, aí mesmo, um dos primeiros homens doutos que escrevia em português sem mácula. (Camilo Castelo Branco, BE, 213)

Observação: O verbo no singular destaca o sujeito do grupo em relação ao qual vem mencionado, ao contrário do que ocorre se construirmos a oração com o verbo no plural.
Como devem imaginar, não concordo com estes autores. Primeiro, porque não dão uma razão cabal à utilização do singular (enquanto que a utilização do plural faz sentido gramaticalmente), mas uma razão psicológica, de que se está a enfatizar o sujeito. Segundo, porque limita-se a transcrever exemplos de uso, que não significam nada.

Por maior consideração que tenha pelo Camilo Castelo Branco, não fosse ele cá do burgo, e possa concordar que tem uma grande obra, um estilo interessante, e imaginação fértil, não o considero o suprassumo da língua. O facto de ele usar aquela construção tanto pode ser propositada (será que lhe perguntaram?) como poderá ser simplesmente por ignorância. Mesmo que tenha sido propositada, isso não lhe dá qualquer crédito. Ou então, olhem para a obra do José Saramago, e comecem a transcrever frases da sua obra para as gramáticas, para defender que não há qualquer necessidade no uso da pontuação.

Também já ouvi dizer que é assim que a língua evolui. Mas, reparem, se queremos que a língua evolua, para que mandamos os nossos filhos para a escola, e porque têm eles disciplinas de português, e porque marcam os professores erros ortográficos? Neste momento pode ser um erro, mas quem sabe daqui a uns anos não é a nova forma de escrever?

Do mesmo modo, porque é que há iniciativas, como o programa Cuidado com a Língua que passa na RTP1, que mostram erros cometidos por políticos, comentadores e repórteres? Será que realmente são um erro? Ou será que estão a dar ênfase a determinado aspecto da sua ideia?

É por estas e outras mentalidades que a nossa língua não evolui, mas cai na desgraça, como é o exemplo do novo acordo ortográfico. Em vez de se aplicar bom senso e alguma normalização matemática à língua, abrem-se ainda novas excepções, e complica-se ainda mais a vida a quem tem de aprender e fazer uso da língua.

É que no final, fico sem saber: a língua deve evoluir por si, pelo povo que a usa, ou deve ser especificada em diário da república, obrigando a população a adaptar-se ao que um conjunto de políticos hipócritas acham?

6 comentários:

Alberto Simões disse...

E ainda me esqueci de referir que muito em breve vamos escrever "comesse" e "come-se" da mesma forma. Afinal, é o hábito que faz o monge.

Anónimo disse...

Insisto: a ortografia não é "científica". Tem mais a ver com os "usos e costumes" dos grupos que usam a língua. É como circular pela direita (ou pela esquerda). O importante é "circularmos todos pelo mesmo lado".

A língua não é uma linguagem matemática, é social, é dinâmica, uma coisa em constante evolução. Lembra-te que, afinal, isto não mais do que "latim cheio de erros"

Alberto Simões disse...

Olá, Álvaro.

Eu acho estranho um lexicógrafo ter essa ideia :) Para quê tanto trabalho a verificar a ortografia correcta das palavras e de as sistematizar? Porque não deixar as pessoas errarem, e fazerem a língua evoluir?

Vejo pessoas a insistir por coisas muito menos interessantes, como por exemplo, se os nomes das línguas se escrevem com maiúscula ou minúscula. Se tem tudo que ver com usos e costumes, porque não deixar que as pessoas continuem a escrever com maiúscula?

Anónimo disse...

Um lexicógrafo, mais do que um legislador (ou um polícia), é um notário ou um arquivista da língua.

Outra coisa é quando perguntam a esse lexicógrafo qual é "a lei" que rege o uso das maiúsculas. Nesse caso, deverá limitar-se a dizer qual é essa lei, e não a opinião dele sobre esse assunto (salvo que também lha peçam, claro).

De qualquer maneira, não vale tudo. Uma coisa é "sou dos que concorda/concordam" (que até pode ser útil) e outra bem diferente é confundir "comesse" com "come-se"
Abraço

Alberto Simões disse...

Olá, Álvaro

Não é tão verdade quanto isso que um lexicógrafo é um arquivista. Basta ver os recentes dicionários da academia e da porto editora onde começaram a registar novas palavras, com grafia portuguesa, que actualmente se usam, ainda com grafia estrangeira. Isso é uma decisão típica de legislador.

Em relação ao come-se e comesse, se todos começarem a escrever "comesse" estamos, usando o teu paralelismo, todos a circular pelo mesmo lado.

Sinto que há muita falta de critério nesta área. Está a fazer falta um pouco mais de formalismo :)

Abraço!

Anónimo disse...

Somos todos vítimas da "praga" dos modismos.

Fico feliz que isso não ande bem " mal" apenas por estas bandas,rs.