Em primeiro lugar, a tradução está uma miséria. Não conheço o livro original (que imagino tenha sido escrito em Italiano) e portanto não sei até que ponto o tradutor da DIFEL seguiu um processo de tradução linear (são ambas línguas latinas) ou não. Mas o certo, é que a tradução está muito má.
Começa por não se traduzir um conjunto de termos informáticos, como file, filename, word processor que não têm qualquer explicação para não terem sido traduzidos pelas equivalentes traduções portuguesas, ficheiro, nome do ficheiro e processador de texto. Se estiveram atentos na leitura deste parágrafo, devem estar a dizer que se o Humberto Eco usou as palavras em inglês, então a tradução também o deve fazer. Embora compreenda essa forma de pensar, não concordo totalmente. Não sei se na data em que o livro foi escrito já existiriam traduções sensatas para Italiano destes termos.
Depois, nas partes mais filosóficas, nota-se a falta de leitura de prova sobre o texto, em que lhe faltam vírgulas e existem faltas de concordância de plurais. Numa workshop que realizei aqui há uns meses na Universidade do Minho, uma responsável por uma empresa de tradução colocava uma dúvida interessante: qual será mais fácil, a tradução técnica ou a tradução literária?
Em relação a este assunto, o típico é dizer-se que a tradução literária é mais complicada, porque um tradutor literário não pode fazer uma tradução literal (curioso o facto de literário e literal serem palavras parecidas), tem de ser verdadeiramente um segundo escritor. Esta tradutora, defende que a tradução de documentos técnicos é mais complicada, porque o tradutor tem de compreender sobre o que está a falar, conhecer a terminologia em causa.
Ora, no caso concreto deste livro, o tradutor mostra ineficácia em ambos os aspectos. Por um lado porque o livro é difícil de ler. É típica a necessidade de reler mais do que uma vez um parágrafo para se conseguir compreender minimamente o assunto em causa. Depois, o tradutor mostra incapacidade de compreender uma área tecnológica. Ao aceder a um computador, referem-se à necessidade de introduzir uma palavra de ordem. Concordo que não há uma tradução com que todos concordem em relação a password, mas a que foi usada não é, de todo, uma das traduções possíveis. Não duvido que em Italiano se use qualquer coisa parecida com palavra de ordem, mas a tradução não pode ser literal. Nem na tradução de literatura, nem na tradução técnica!
Para além da incompetência na tradução, o tradutor também é incompetente na língua portuguesa. Exemplos são as frases a maior parte eram mulheres, que devia ser a maior parte era mulheres, já que o verbo deve estar de acordo com o sujeito, e não com o complemento directo; e a frase era um dos que sabia tudo nos seus tempos, que devia ser era um dos que sabiam tudo nos seus tempos (embora este erro que aponto não seja consensual, mas discutirei num outro post sobre o assunto). Mais exemplos não faltam!
Quando cheguei a meio do livro deparei-me com a palavra radiactivo duas vezes na mesma página (em vez do radioactivo) e, na página seguinte, exilir em vez de elixir. E há mais! Muitos mais! Demasiados! Nesta altura, percebi a quantidade de erros e problemas neste livro (que, imaginem, já vai na décima nona edição mas que, aposto, nunca levou uma única revisão). Nenhum revisor deve ter sido capaz de passar das primeiras 50 páginas para a frente. Perdoem-me a linguagem, mas que grande seca. Tenho pena de ter comprado o livro. Mas já que o fiz, tive de ler até ao fim.
E este facto (ser uma seca), não me parece que seja só culpa do tradutor. Mas o Umberto Eco deixou-me muito decepcionado com este livro. Embora existam pequenas partes ou secções com piada, em que é feita uma caricatura da realidade com humor e sentido crítico, a maior parte do livro consiste em deambulações filosóficas, com termos e nomes religiosos completamente estranhos e que, do meu ponto de vista, nada contribuem para a história. Também não sei se será culpa do Eco ou do tradutor a falta de conhecimento religioso (num livro sobre religiões é um ponto bastante mau!). A santa que perdeu os olhos e que é padroeira da visão chama-se Santa Luzia e não Santa Lúcia. Sem querer defender o Eco, diria que o tradutor não tem grande noção, e achou simplesmente que o termo Luzia era estranho, e limitou-se a traduzir.
1 comentário:
Excelente texto! Gostava de saber fazer críticas a livros e filmes desta forma...
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