
Em relação ao livro, há algo que logo me chamou a atenção: a forma de escrita. Devido à minha completa ignorância sobre a língua Sueca, não seria nunca capaz de analizar até que ponto a forma de escrita da versão portuguesa foi herdada da versão original, ou se foi herdada de uma qualquer tradução intermédia que possa ter existido (quem sabe se a tradução para a língua portuguesa foi feita com base no manuscrito na língua original ou, por exemplo, numa tradução existente em inglês), ou ainda se é obra do processo de tradução (ou seja, dos tradutores). Mas, que tem a forma ou estilo de escrita assim especial que me faça escrever tamanho parágrafo? Basicamente, quase todo o livro está escrito no presente do indicativo, descrevendo a acação que decorre nesse preciso momento, ao contrário da forma mais habitual, que será usar o passado, contando algo que se já passou.
Passando à frente a questão estilística, há outro pormenor que me chamou cativou: embora o autor seja denominado Lars Kepler, a verdade é que não se trata de um homem, nem de uma mulher, mas de um casal que escreve em conjunto. Só me lembro de um outro caso semelhante: os livros Uma Aventura, escritos pela actual ministra da educação, Isabel Alçada, e Ana Maria Magalhães. Mas estas, pelo menos, não usam um pseudónimo, e a autoria conjunta é clara. Mas, algo que gostava de compreender, é como estes autores bicéfalos são capazes de produzir cooperativamente. Enquanto que num livro técnico-científico se pode dividir a tarefa dos autores de acordo com as suas áreas de especialização, num romance essa divisão não me parece possível, já que o livro deverá seguir um fio condutor, e não poderão ser esquecidos detalhes previamente descritos, ainda para mais num policial. Pergunto-me se começarão por um índice ou guião com a história base, que possam ir enriquecendo em paralelo, ou se vão, mesmo, escrevendo em sintonia, os dois autores a escrever num mesmo computador ou máquina de escrever. Outra curiosidade seria saber até que ponto uma ferramenta como um wiki poderia facilitar a tarefa de produção cooperativa de um romance.
Voltando ao conteúdo do livro, e nomeadamente à história que é contada, e sem introduzir informação que possa reduzir o interesse de leitura (os célebres spoilers). A história está bem planeada e engendrada. Sendo um policial ou, se preferirem, um thriller, tem a cada momento um conjunto pequeno de possíveis caminhos ou soluções para o caso a ser narrado, soluções essas que se vão, uma após outra, desmoronando, e dando azo a que se descubram novas pistas e novas possíveis soluções. Toda esta história decorre sem momentos mortos. É certo que os autores vão introduzindo breves descrições dos intervenientes ou das cenas em que a acção decorre. No entanto, estas descrições são curtas e aparecem misturadas ou embrenhadas na acção, fazendo com que o interesse e motivação se mantenha ao longo da leitura de todo o livro.
Existe uma grande quantidade de referências a objectos do quotidiano, reais e actuais: desde a referência a sistemas operativos de um computador, ao Harry Potter, aos Pokemon, à Coca-Cola ou ao McDonalds. Também abundante é a referência a nomes de ruas e lugares concretos de Estocolmo e das vizinhancas. Confesso que não tive paciência (dito de outra forma, tive preguiça) para averiguar até que ponto, pelo menos algumas destas referências, são reais. No entanto, a profusão de nomes de ruas e lugares dá realidade à história em causa.
Embora os revisores da Porto Editora tenham deixado escapar alguns erros, maioritariamente tipográficos, o livro tem muito boa qualidade gráfica e de escrita. Talvez o facto que mais me aborreceu tenha sido o uso de "realizar o doutorado em Economia" em vez do "realizar um doutoramento em Economia". Este foi o único momento em que me perguntei se o livro teria sido traduzido de uma versão brasileira.
Concluindo, a minha opinião é de que estamos diante de um bom livro para todos os apreciadores de thrillers e policiais com muito sangue e mortes à mistura. Sugiro que o leiam antes que surja a já planeada versão cinematográfica.
4 comentários:
Gostei da crítica. Dá vontade de ir a correr comprar.
também gostei da ideia de escrita literária cooperativa.
=)
Gostei da crítica. Dá vontade de ir a correr comprar.
também gostei da ideia de escrita literária cooperativa.
=)
creio que poderá obter respostas a como se escreve a dois em http://www.ciberescritas.com/2010/06/14/o-segredo-por-tras-de-lars-kepler/
Já li o livro . Excelente.
Enviar um comentário